Vértebra 8
T1, paz ou Urubitinga, o amigo do quintal
A canoa resinada singrava Sorimã acima a preludiar Uraci que já vinha. Mata, margem barrenta, quanta usina de contramão. Logrados os dois, Orun e Aín, a buscar a Ema.
Cuaracy Ra’Angaba estivera impresso no sonho de Orun; não era mais Tamõi. Deixara a veste preta em remanso. Os lixeiros do rio tiveram de se contentar com matéria amarga. Fluido vital invadiu a prainha, alegria de zangões e do cipoal. A alma soltou assim que o corpo pendeu.
Quando Aín deu pela notícia, fazia tempo Orun caíra da popa. Meio coberto pela água, ficou ali atrás, um último sorriso para tudo. Aín sabia dos destinos das almas. Quanto demorava a madureza delas. Orun, patriarca subsaariano, talvez tivesse apoio da morada em Nigéria.
Os primeiros calores da manhã umedeceram a camisa que Aín herdara da abobé. Um cheiro agridoce engastado nas fibras, na pele. Como andaria Isi’po? Xaxim Verdadeiro, Aín evitava fixar lembrança. Pegava na mão da índia quando fechava os olhos, no joelho esquerdo, no mamilo vertendo leite, aquele líquido morno que era alimento. Metia os dedos entre os lábios besuntados de batata doce. Ficava ali sem mover músculo, a sentir os barulhos do sangue, da linfa, do planeta saturno. Byr deixava, pranteava quieta. Sentia saudade e um enrolo limpo no estômago. Quereria gritar com as arapongas. Movia-se só um pouco e os dedos, ordeiros, feito raiz de uruçakêe. Usina, cadinho a mil graus, úmido, firme como garra, esmagava em encolhimentos regulares. Urubitinga, atento ao poder da sombra, dizia não ali. Cela nada pode fazer. Benavente, menos. Afastaram-se. A Alcayaga e o trasno se juntaram a eles. Esperaram na rua lamacenta, sem julgar e sem curiosidade. Desde que o mundo é mundo, os acertos são incertos.
O bebê havia acabado de dormir sobre o peito de Orun Tamõi. Quem sabe fosse destino, estivesse anotado no diário da abobé. Quem sabe, mais cincada de mulher. Deixaram o jirau sem respiro, enguias de brejo. A noite, coberta por um manto pesado oprimia, tesa. Aqui e ali um raio, eletrificação e pureza. Havia uma canga perto do córrego, boa de apoiar, balançar. Aín mantinha a mão no lugar regalado, escorregadio. Quereria parecer elegante. Nesse ínterim, a mão de Byr sentia a via flora daquele homem que tinha mãos de impor. O braço agarrou a canga, balançou.
A rosa, vagando solitária pelos montes desbastados, encontrou cume airoso, em erupção. Esfregou com gosto, quase fúria. A outra mão tapou a boca, boca adentro, alcançou a garganta, o alarido regurgitava. E nada de apaziguar. Quanto mais Byr oferecia guarida, mais necessitava. Dentes pelo caminho, branco, branco.
O corpo da índia, cascata de agrião, virou-se cadenciado. Aqueles montes clarosos, as fendas da encosta. As mãos excediam faróis, solidões. Limpos, rios, vales, charcos, lotus, bambuzal, talo de mandioca, maré alta. A coluna flexível movia aguilhões, incisões. A canga oscilava quieta, quieta, engulho, grão, sapé. Longo, lícito, sincronizado, um silvo elétrico culminou de chuva tórrida a lavar os vaus. Ali mesmo mergulharam, rente a parede, sobre uma calçada de madeira. Se havia gente espiando, permaneceu em silêncio.
Cela, a Alcayaga, Benavente e o trasno seguiram para uma curva do rio sem perguntas. Lá longe, a onça, cabra, cobra, livres. Os protetores sentaram na canoa. Esperaram. Às horas do primeiro sol, a candeia ainda acesa sobre aparador. Byr no terreiro, a lavar os vestidos da abobé. O corpo da índia cintilava de limpo. Cândida, vizinha de palafita, dois olhos pretos no buraco entre tábuas. Chupava a beleza asiática da outra. Sentia angústia, nunca posara assim, nua aos olhos intrusos. Quis isso, quis tudo.
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