O sonho de Portugal 11

Quinta da Regaleira - Sintra

 

Mais um Natal se aproxima no Palácio da Pena. Sobre suas arcadas a celeste lembrança, posto que já são dezoito horas do dia 24 dezembro e a noite cai, ligeira e fria. O menino agora homem, aquele que brincou com o lince ibérico, sabe que é, amanhã, a comemoração ao Governador do Sol. Olha o firmamento e suspira. Eis a Luz que visita os humanos, junto às terras dos contra-alísios. Vem bela, esguia, flutuante, voz de trovoada, para fazer-se tez morena e olhos verdes, ou azuis, reflexo do Tiberíades no Jamor. 

 

A Luz Solar mora no coração do menino agora homem, pelas tradições. A Face Clara cintila perto, no crucifixo de uma urna funerária. Se o Solário aportasse no Himalaia, o menino agora homem pensou, derretia-se a neve e os Seus olhos seriam negros. 

 

As vestes simples com que a Luz aportou ocultavam duas fitas vermelhas, dadas por um dos Magos, veladas elas, para evitar mau-olhado. Tanto é assim, que não se olha em direto para o Sol. O menino agora homem também leva as suas fitas, dentro da carteira. A tia presenteou-as, amarradas a uma medalhinha de Fátima. As cinzas da senhora esperam no pequeno ataúde que lhe serve, no momento, de morada. O menino agora homem pousou o artefato sobre o batente, é a ala norte do Palácio. Os restos do mirrado corpo da tia serão espargidos ali, pelo ar, quando a noite cair. Contaram que ela morreu ao abrir a porta a chofer de auto, certa manhã.

 

A túnica do Servo Celeste serviu a tantas parábolas, aqueceu o imo de tantos portugueses. Estrela de Infinita Grandeza, o Raio Solar abraçou a origem judaica, era preciso. O Talmud e o Novo Testamento viajaram mundo, por conta de tanta luz e vieram dar ao mar. Uma menina-moça, escolhida para O gerar, deu ao libreto doçura, consistência e imagens tantas, espraiadas por toda península e além-mar. Senhora-a- Branca, a mais bonita. O senhor José, carpinteiro excelente, assumiu a paternidade d’Ele e semeou joias em madeira por mãos a perder de vista, nas fábulas, na prosa, no verso, nos altares. Tão difícil ver este gesto de assunção no presente. Ainda Menino, o Chefe do Sol poderia ter forçado os incrédulos a escutar. Espera até hoje. Andou por sobre as águas. Hoje, anda por toda parte. Trabalhou por todos, talhou. Hoje, acende cada luzeiro que encontra com pavio. O coração dos homens, duro, ainda resiste ao Seu chamado. O Brilho Intenso segue a cantar. O lince ibérico, já entrado nos anos, escuta.

 

Brinquedos de ar atraem retinas opacas e distraem os homens, que esquecem de domar seus sentires. Então, o vento... então a partida da tia-mãe, que segurava um cata-vento quando caiu. Devota do Astro Rei ela era. 

 

Os alísios são bem vindos, sopram as calmarias para longe.  O Pai, dono das histórias, é vento alísio e contra-alísio e outras brisas a insuflar o Rei Solar em uma família terrestre. Exemplo, para nortear as outras famílias do mundo. O Pai deixa que se eleve a Quinta da Regaleira, pois é preciso trabalhar. Deixa que os pedintes se açucarem com o pãozinho travesseiro, para aprender a agradecer. Até hoje, muitas famílias se esforçam para ficar juntas. A do menino agora homem é ele e só. Apesar de vergado pelas lições firmes do viver, aceita, resiliente, tudo é transitório, catavento. 

 

 

 

 

 

 

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