O sonho de Portugal 9

 



A moça, entrada nos trinta anos, há pouco tivera um bebê. Antes, jovial, força de trabalho, perdeu o juízo quando o pai do zigoto lhe bateu a porta às faces, negou-se a responsabilidades. Rosália sentou-se a um canto da Rua da Porta Nova e olhou a sola do pé mimoso, revestida de coscoro. Tanto caminho vencido, sem calçar-se. Um andar flutuante, um corpo magérrimo, entre ausente e fascinado, coberta somente por longa camisola de algodão, que há muito fora branca. Quem ousava estender-lhe a mão, oferecer algo, sentia uma resina férrea no ar, o que não deixava de ser eficiente proteção. Os dias andavam azuis e quentes. Depois de breve descanso, Rosália seguiu pelo estreito viés, cruzou um arco e virou à direita. Foi ali que o encontrou. Bigode um pouco adiante do contorno dos lábios, sorriso leve, surpreso, olhar de mar noturno. Alois anotou, da expressão da moça, a dificuldade bruta. Passou por ela e nada disse, precisava de tempo. Rosália não foi longe. Dividiu migalhas de pão antigo com as pombas, bebeu água de uma fonte. Caminhou até o limite do distrito, decidida e iniciar a volta para Lisboa. Ao colocar o pé em Beja, Alois surgiu novamente, com uma sacola de pendurar. Dentro, um pote de sopa, uma garrafa com água e outra de ginjinha. Embrulhados com cuidado, em um pano, dentro de um cesto, dois pastéis de Belém. O que se sentiu no ar então foi eflúvio de lavanda.

 

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