O sonho de Portugal 7







                                   E voltam à cena menino, gato, versos antigos, escaramuças de quixotes, talvez uma ou outra senhora e a moçoila casadoira, dezasseis anos, há quatro dias de os completar. Como se soube dos detalhes, a narrativa não vai contar. O menino é aquele do lince ibérico. Hoje ele tem vinte anos e mora próximo ao Miradouro de São Pedro d’Alcântara, em um quarto na Mouraria. Saiu em férias, foi visitar a tia Cotinha, que possui uma vivenda próxima ao forte, em Caiscais. Merecedor de repouso, devido a alergias a várias coisas e às tensas disciplinas a que se submetia à noite, na Universidade de Lisboa. Um emprego como redator de óbitos durante o período matutino, textos poéticos criados para consolar as almas dos que ficam, publicados em periódico diário. O galego as deveria ter superado, às alergias, lágrimas de infância, de perder a mãe, ser esquecido pelo pai e jogado daqui para ali, apesar de doce de criança, adolescente pacato e estudioso. Mais um ano e conseguiria a patente de advogado, pelo carinho e fundo pecuniário ofertado por esta tia de Caiscais, também por merecimento. A senhora sonhava para o seu menino a paz das praias, uma advocacia cordata, tratadora de processos trabalhistas locais. O moço se especializava, sonhava questões internacionais, relativas a exílios forçados. Ele chegou à cidade litorânea em uma quarta-feira solar, trinta graus à sombra, a brisa marinha convidativa a um banho salgado. Vestira a sunga de nadar por baixo do paletó e deixou gravata, sapato de couro, meias, guarda-chuva, a maleta, espalhados pela areia. Foi um bom dia eufórico, o das ondas e ele. Naqueles quatro dias de não escrever obituários, daria aos versos outra vida. Isto porque ele logo viu, não muito longe, uma ninfeta em trajes tão sumários, cor da pele, que testemunhou-a mesmo como veio ao mundo, entre Afrodite e Santa Inês. Trata-se da moça parida na barca, lá em Aveiro. O rapaz, atraído pela rapariga, foi ter com ela, ele em sua magreza, refinamento e timidez, mesmo que seminu também ele, a sorver cada milimetro daquele ser melífluo. A moça parecia uma cobra cor de areal, escura de bronzeado, deliciosamente cheirava a maresia. Nada disseram. O intercurso foi esbaforido, beijos na boca evitados a todo custo. Na conclusão, a moça correu ao mar. Nadou, com graça e avidez, dali a pouco não se a viu mais. Como que desfolhado, o rapazote voltou, de sua primeira vez, catou seus pertences e foi aninhar-se ao coração da tia, onde havia sempre uma sardinha, a ginginha e a esperança. Na cadeira de balanço da varanda, dormia um gato cor de lince ibérico. Os espirros recomeçaram, e foram somente dois. Os versos, estes vieram depois.

 

 

 

 

 



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