o sonho de Portugal 6



Foto: Rakot13/CC BY-SA 3.0 / BBC News Brasil 


O cientista saíra do projeto havia cinquenta e dois anos. Vivera no Ártico em sua mocidade. Destemido, fascinado pelo mar e seu fundo, integrou com paixão a  equipe de Kola. Participou dos cálculos, da operação das máquinas. Apertou o último pino da tampa de metal, sobre o piso de concreto, quando o projeto foi abandonado. Conhecer o centro da Terra ficaria para outras gentes. Algo se rompeu dentro do estudioso, como um coração que se parte. No caso dele, o quebrado se deu em uma pequena região próxima à amigdala. Foi como se o parafuso, o do final das pesquisas, desatarraxasse do cerne daquele homem. Por algum tempo, ele foi recolhido a um hospital em Londres, submetido a vários tratamentos e medicinas. Pareceu hibernar, permaneceu no cárcere por oito anos. Ninguém conhecia quem lhe custeava a vida. Ignoravam suas origens, se tinha parentes, se era casado. Foi muito bem cuidado. Sabe-se que, certa manhã, sem aviso ou observância, o cientista desapareceu. Sem pegadas, sem adeus. Ficaram as máquinas, a apitar seus ais, sons que lembravam o choro dos fantasmas de Kola. Alguns tabloides televisivos falaram de um homem caminhador, parecido com o tal cientista, que cruzou os interiores da Europa e chegou a Portugal. Entrevistado, o homem abilolado afirmava estar em busca de um parafuso, que perdera no fundo do oceano. Chegou a Óbidos. As ruas de pedra, as casas brancas e os olhos de uma dama adiaram seu projeto por mais algum tempo.

 

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