o sonho de Portugal 4


4 - Porto

 

Tão bonito, naquele reino apinhado de janelas, todo dia se escutava o fado. Um deles, em especial. A voz ecoava, logo que o sol dava seus sinais violáceos. E a cantiga não se fazia de rogada. Outras vozes iam somando, suaves umas, na oitava de cima outras, cavernosas ainda outras. Até os desafinos vinham, um hino de amor a vadear no Douro, para dar às águas gélidas do Atlântico. Como se permitiu aquele refrão em terras portuguesas, ninguém soube. A feminina voz, sentida, parecia sepultar-se ao fundo do oceano, ou atravessar em ele, continente adiante. Nas primeiras vezes soou tímida, caudal de lágrimas. Depois,  ganhou vigor e brilho. As vizinhas de porta logo entenderam. Tratava-se de amor ilegal, desses que encaroçam as filigranas do afeto e se perdem de fato, não fosse o poder do fado. A dama, após cantar à janela, descia. Ia caminhar pela travessa, até a Adega. De desvalida, sempre a posar em vestido de flores grandes, ao qual faltava um botão, passou a ser venerada pelos passantes. E nem escandalosa ou mal trajada se portava, deixavam-na na paz do decote e sorriso mofado. Ao chegar, a mulher logo se punha no uniforme carmim, avental azul turquesa escuro e ia servir o desjejum à plateia de professores esperançados. No final do dia, copo de vinho verde na mão, um petisco diante dos olhos, o sapato a apoiar-se no balcão, a aspirante a fadista punha mais um verso ao seu apelo insensato e o cantava aos apreciadores. Fado Brasil, me escuta, que eu canto quantas vezes for. Fado Brasil, me inspira, que eu choro pelo teu amor. 

 

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