ciranda das flores 12



Caiu o pano. A ribalta era um bosque exuberante e mal cuidado. Natural, melhor dizer, ninguém lhe punha a mão. De coxia, um palmital de cada lado e, no ciclorama, um velho chorão, que projetava sua floração como se fora um cortinado. 

A árvore formava, com sua copa, um palco até bem iluminado, sonorizado de passarinhos. Os dois atores da companhia atravessaram adiante do pano e cumprimentaram a plateia de folhas, perfilados em reverência por vários segundos. Ora uma voz, ora outra, reproduzia grande ovação. Dava para ver a chuva de flores sendo atirada aos seus pés, sobre as cabeleiras cor de fogo. As lágrimas corriam nas peles sardentas. 

Os atores alinharam a coluna lentamente, viraram um para o outro e se torceram em beijo novelil, gastando nele um tanto de saliva, puxões nos cabelos, mordiscões, risinhos marotos. Idade frágil é modo de dizer, que às vezes um vaso de cinco anos na Terra tem milhares de existências na patente. 

O fardo é que se gostavam desde sempre as duas figuras, desde o berço. E nada as faria perderem-se de vista, de afeto, de afagos, rudes, gentis, deslumbrados. No palco, foi o drama de Inês de Castro que representaram, escutado na noite anterior em sarau de família. Uma coreografia simbólica, sucinta e que as folhas certamente acompanharam bem. 

Havia, há doze passos do chorão, um riachinho. Com direito a canoa emborcada, já posta na posição para impedir atrevidos de se meterem em encrencas. O trecho era calmo ali, entretanto o riacho vazava, puxava as embarcações de pesca até uma bela cachoeira, uns três quilômetros adiante. A corredeira era dessas que vai se revelando aos poucos, para se mostrar furiosa na terceira curva e logo despencar num aguaceiro colossal.

Lírios sapo cabeludo a brilhar na margem. Joias lindas demais para serem desconsideradas. Um dos pares se aproximou do tufo, fez que colheu uma flor e mergulhou a mão no decote impúbere do outro. A mão escorreu até o umbigo, promoveu contorções e gargalhadas. Ao invés de seguirem com aquele brinquedo insolente se distraíram, contornaram a canoa, atiçados por sua forma abaulada, azul matagal. Tiveram força para virar a sedutora nau. Acharam os remos por baixo dela. Emborcada, não carecera fazer nó para a atracar.

Diz-se que percorreram, os dois, oitocentos metros apenas. Apavorado, o ator que representara Inês, imbuído de força de mil homens, pode conduzir a canoa até um barranco e encalhar a pequena embarcação. Na ausência do que fazer – alguém os surpreenderia ali em algum momento do dia -, desfizeram-se das roupas, estenderam as peças encharcadas e cochilaram ao sol. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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