ciranda das flores 10




No mundo jardineiro, ela vivia um elo essencial com as plantas. Executava com precisão os seus ciclos, respeitava o sol, comia o necessário e deixava sua assinatura por onde passava. Dizem que não pensava nada, sentia menos. Talvez quisessem referir-se a esses complicados raciocínios partidários, excludentes, conflituosos, que tanto afastam os ditos pensantes, melhor audazes. Seu jeito, seu movere indicava harmonia, serenidade, limpeza, embora carregasse a fama de nojenta. Era o mestre zen do submundo. Aquele que a batizou foi generoso: Limax arborum. Que nome sonoro, robusto como ela, que não media mais de oito centímetros. Outra leitura digressiva que lhe imputavam era o apego. Isso se devia ao modo de aderir às superfícies, bem como a maneira de alimentar-se. Em certa conferência, atribuíram ao universo limax a qualidade de paraíso: nada fazer a não ser arrastar-se, sugar nutrientes predispostos e só. Claro que a compreensão da metáfora veio rápida. Um exemplo suficientemente chocante para chamar um limax humano ao seu devido lugar na Gaia. O olhar voltado ao ambiente em que se nutria nossa Limax arborum se ampliou ao divisar, esplêndida, uma jade. As curiosas hastes azul verde compunham o canto daquele jardim despojado e aconchegante. Quem, em sendo deste mundo ferroso, trocaria a delicada vegetação por qualquer reflexão metafisica, algum invento oneroso e imprevisto. Nossa Limax desfilava, discreta e gentil, a provocar comichões na jade. Conjugalidade serena, para muitos dias. Um par de mãos hábeis tocou as duas formas viventes naquela manhã. Como as condições parasitárias fossem favoráveis, optou-se por manter a prática de minimização dos donos. 

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