ciranda das flores 5

 

Para Nádia de Arins 

 

 

A saíra-preciosa, uma elegante senhora das encostas catarinenses, aguardava o calor do sol sobre as gramíneas amareladas de seu ninho. Em ele, três filhotes pardos da segunda ninhada de outono, todos com fome, todos em tempo de voo. Chovia há quatro dias no pinheiro onde se alojavam. Vale comentar que a mata araucária tinha sido pródiga no período. Via-se pinhões por toda tarde. Ninhos, difícil fotografar. O dela estava curiosamente engastado em um galho, pinheiro velho, silencioso. 

 

Aguaceiro esparso caíra, de variações pluviométricas suportáveis. Benção, depois de período incerto. A saíra-preciosa apenas ouvia rumores que costurava aqui e ali, de outros pios compartilhados no condomínio. Mente tranquila, o pássaro fazia a sua parte no vai vem natural. Pouca coisa era razão para gasturas. Na ninhada atual, o machinho mais forte talvez desse cabo do de compleição débil. Figura altiva, o piazito prometia brilho vário na plumagem ainda imberbe, muitas gerações de saíra o sucederiam. A senhora nem se orgulhava nem lamentava nem nada. Daqui a pouco, viria outra das cores lindas de outro macho e a mata escutaria ainda o piado monossilábico, feito fisgadinhas na ponta da orelha de paixão nova.

 

Como a favorecer beleza, incomum na região, a companhia delicada guardava um tanto de chuva, mantinha o ninho encoberto: florada de orquídeas fantasma. Na verdade, somente uma flor resistira. No mais, um cipoal entretecido, cúmplice de insetos, pendia de um nó de pinho. Nada mais dadivoso para uma incubadora. A flor funcionava como teto, janela e porta dianteira. E mais. A flor dera de murmurar seus pensamentos, que a passarinha absorvia nas penas do ser voador. Em sua pose de lotus, o buda branquinho recitava mantras, descrevia o sol de outros mundos, falava do mar mais azul de todos, construía bordões para a passarada que cruzava o ar. Tornava o ambiente o próprio céu. 

 

Conforto e ninar, era o que a saíra-preciosa tivera nos dias de chocar. Já na segunda murmuração a saíra enamorou-se. E era um encanto tão lúcido que o bichinho intuía, daqueles de se olhar através. Por uns dias, tal amor doeu. Doeu mais que sua curta jornada. No dia de chuva gelada, a saíra-preciosa entendeu. O buda flor contou a história de uma mão luminosa a espargir sementes no mundo. Agricultor de florestas, a luz deitava sementes em todo espaço. Pedrilhos, solo de eucalipto, minhocal. Uma das sementes brotara no verde pálido de sua asa esquerda e já não a deixaria mais. Fosse embora a chuva, o filhote morto, o saíra brilhoso, o terceiro, incógnita que só o tempo, posto que fêmea, o buda virasse fantasma de terras longe, a saíra-preciosa entendeu. 

 

O sol saiu tímido na manhã em que os filhotes voaram. A senhora não mais os viu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas