ciranda das flores 2

 



E foi por aqueles dias que o livro chegou. Capa pouco sedutora. Título, ao contrário, chamava na hora, principalmente porque a palavra horror o compunha. Ao escrever as primeiras linhas da resenha, Horror gritava, sombra irrequieta em contraste ao brilho luminoso da tela. Horror, horror, horrrrrrorrrr. Usava uma calça pescador o horror. Descalço. O corpo, pele e osso, traduzia muitos dias chuvosos, foice e os climas truculentos acima e abaixo de Capricórnio. Aqui e ali, motores de veículos com duas rodas revelavam o mito dos obuses. Como presença apaziguadora, o sol de domingo, a suave brisa a enfunar cortina. Dedos sobre as teclas dançavam o mote nórdico, ou será o Zambeze, o sertão da caatinga? O livro, aberto em página ao léu tocava o peito, rico em lembranças esfumadas. O poeta dos carvoeiros pensou em sua mãe. Seu canto, a meia voz, saiu sem grandes expressividades. Dois tons talvez, acima, abaixo, abaixo, abaixo, acima abaixo acima. Os agudos soavam mais tempo, os graves estacados. Os lábios, como um beijo, impediam a passagem do ar, que circulava pelos buracos da cabeça. O palato era nave, assisado, profundo, odor de fumo. O adágio, sombra neon partido de várias direções, caia do céu. Aquele vozerio tão dentro formava barricada, como alfândega às vias com salvos-condutos. Horror voltou à cena, em forma de rês, de kitsune, de diablo blanco, bundinhas assadas, barriguinhas entumecidas, convulsões. Procissões a perder de vista no chão lamacento. O poeta há poucos dias fundara a casa jornal. Logo todo vale escutaria o brado. Ao virar outras páginas do livro no qual trabalhava, convencido de que o assunto era complexo, exigiria um abraçar ao mundo, o trauteador se arrepiou. Horror tinha forma, conteúdo. Não se podia permitir a ele dirigir a situação. Ações precipitadas esvaziavam jornadas, gentes. Os miúdos mereciam confiar. O horror alagara de fado corações gráceis, um precipício sobre o outro. O que fazer? Cantar? Pois foi o que fez então o jornalista. A paisagem soturna do neno se escutou na rua inteira, verso a verso, Quaraí abaixo. O intento era ganhar mar.

 

 

 

 

 

 

 

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