contos de buraco de fechadura 11








Longos anos colonialistas. Milhares de repetições. Leonardo trabalhava em casa. Era domador de serenos. Acordava todos os dias às cinco horas, o sol por nascer. Tomava chá e saia à rua. Havia uma praça em frente ao prédio. Leonardo caminhava por entre árvores e canteiros, dava várias voltas tranquilas, respirava. O sonho da madrugada ainda ecoava em sua mente. Um sutil incômodo estremecia seu peito. 
O espirito natalino se fazia ver, a cidade cheia de luzes ainda acesas. Desceu uma neblina densa. As árvores enfeitadas lembravam estrelas caindo. Longos anos colonialistas, milhares de repetições. Leonardo parou sob uma araucária, como que encantado com os luzeirinhos. Perto da matinada cada luminar foi se apagando. O movimento criava poemas visuais para quem tinha olhos de ver. Leonardo amou todas as palavras que conhecia, cometas particulares de seu oficio sereneiro. Imaginou-as, aquelas luzinhas, sílabas indo descansar depois de uma noite de récita.
Longos anos colonialistas, milhares de repetições. Quando as árvores se aquietaram a neblina, como que por encanto, esvaiu no ambiente. Deitou dentro do peito de Leonardo, para o inspirar. O sonho voltou, e também o medo que sentiu enquanto condensava o memorial dessas tantas repetições. A presença simbólica de uma chave, partida caprichosamente por um cabo de vassoura, metade na mão, metade na fechadura, doía em sua décima primeira vértebra cervical. Lembrou-se  de que, na cena onírica, desmaiara. Tentara equilibrar-se com o cabo da vassoura e seu peso fez com que ele batesse com força na chave de um desses armários de vestiário. 
O orvalho avermelhado pelos primeiros raios do dia tinha um poder de consolação e esclarecimento. Leonardo, domador de serenos, abriu uma caderneta que levava ao bolso. O pequeno lápis rabiscou, quase desatento: chamar o chaveiro. Deixou de por o pingo no i. 
 

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