contos de buraco de fechadura 10


 


Tenho trabalhado um tanto com os mirradinhos conhecimentos de que disponho sobre as coisas. Isso limita bastante o versar. É bonito, contudo. Parecem as janelinhas do castelo de Santa Maria da Feira, para aqueles que não lhe conhecem a cisterna subterrânea. Talvez se justifique o nome que dei a esta coleção de textos. É como olhar através de espaços minúsculos, onde o alcance do visível é pontual. A lembrança nítida carece de etnógrafos experientes, arqueólogos que lhe cavem pedras há muito dormidas, para lá descobrir outras profundidades. De etnógrafo, só tenho a voz. 

O castelo onde já pisaram os outros, viveram outros,
enterrados estão os mortos, os sambaquis. Bem queria eu por, nessas pedras, dois companheiros que fosse, a executar as tarefas simples de separar víveres perecíveis. Conta a história, a Santa Maria da Feira é o que o nome diz, lugar de trocas, como as que há no Douro. Dessa forma distinta e distante, iria eu a dar pertença a algum Eliseu,  Eleodor, hebreu e galego perdidos à beira mar - e não da Galileia, mas de Portugal. Náufragos da fragata de 1453, lemeada pelo sorumbático capitão-mor José Gaetano. As esperanças em janelinhas. Ainda sou este olheiro curioso, cristiano, o que enfrenta o mistério à primeira vez. A meu dispor, lâminas de cinegrafistas, falas remotas de historiadores, a descrever o mundo da murada do castelo de muito mais de três mil anos.

 Desconheço, da estrutura da fortaleza, forjada para defesa das gentes e das mercadorias, se há ali chaminé. Que a história então daria vida a uma fêmea de painho-de-ventre-branco - o calcamar -, a montar guarda ao seu ninho improvisado, cavado em porção arenosa da torre esquerda, um ovo de choca. Seria um domingo brumoso não se podendo enxergar, sequer à luneta, o horizonte mariz. E, talvez possa interessar, um Eleodor faminto, radiante diante da janelinha. Acaba ele de flagrar um banquete, achado ao acaso, pelo bater das asas e aprumo da mãe. 




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