contos de buraco de fechadura 7





A casa da herdade ficava no meio do nada. Um campo de lavanda circundava o espaço. Cerca de um quilômetro em direção ao poente, se via um álamo inclinado pelo vento. Benta recebera o lugar em herança. Fazendo gravura breve da mulher, o destaque recaia sobre os cabelos castanhos, lábios finos, nariz adunco. Um tipo de beleza altiva, amargurada. Fios de prata despontavam dos cachos, há tempos não dava conta de  nada além de mulher sozinha. Benta chegara há duas semanas, no final da florada. Nada entendia de campo, a não ser que precisava estar ali, para algo que ainda desconhecia. Obstetra, tinha encarado uma série ininterrupta de óbitos, por causas desconhecidas. As mães pereciam no parto, as crias sobreviviam por dois ou três dias. Não havia explicação, as autópsias nada revelavam. Aquele quadro caótico desligou em Benta algum equipamento interno, sem intervir com sua memória antiga ou outras funções biológicas. O último parto inglório provocou-lhe vômito copioso. Foi atendida na emergência, repousou por alguns instantes e saiu caminhando da clinica, sem que alguém desse por ela. Quando adentrou seu apartamento, estava encharcada, uma garoa fina a acompanhara. Encontrou sua correspondência sob a porta e sentou-se na copa, com os envelopes pendendo da mão. Muito mais tarde, ao descrever todo ocorrido, lembrou apenas que sentiu muito frio. Ao dar por si, por sua dor, estava em pé, encostada em uma balaústra firme, de frente para o campo, algumas alamedas ainda lilases e a mira da espingarda diante dos olhos. O sol descia o tronco do álamo, alguns pirilampos dançavam. Um cavaleiro vinha a trote pela estradinha. Quando se aproximou da casa, não apeou. Apenas tocou a aba de seu chapéu com o cano da arma que trazia. Benta olhava sem ver, sem saber que dizer. Acenou com os olhos, a grande riqueza daquele rosto, um céu imaturo. Ainda sobre o cavalo, o homem se aproximou. Embainhou sua cano duplo. Retirou da cela um saco onde - soube-se depois -, havia carne curada, queijo, aveia, chá e mel. Depositou o saco diante de Benta. Nenhum som, só olhar mirando olhar. O homem tornou a empunhar a espingarda, engatilhou e desengatilhou várias vezes, conferiu a munição, mirou por alguns instantes e, com vagar, virou o cabo para Benta. Ela nunca havia tocado em arma de fogo. Tomou o volume com as duas mãos. Pesado fado para a médica, que conhecia bisturi. O vinculo do olhar se desfez. Em silêncio, o homem se virou e seguiu, em novo trote. Benta admirou o movimento do animal e seu montador. Até que ele sumiu com o sol. 

 



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