Contos de buraco de fechadura 6












Jaci gostava de seu nome. Gostava tanto, que toda noite ele a procurava no céu. Sentia que era sua protetora, sua lamparina particular. Para ela escrevia as redações da escola, as orações eram todas dela. Quando Jaci a vislumbrava em dias azuis, ia ao seu encontro. Quase nunca podia deitar na relva para sussurrar seus segredos a ela, posto que as tarefas que a mãe lhe dava cobravam justeza no cumprimento. A mãe o colocava no banco, de costas para uma parede caiada, cada vez que algo lhe escapava no quefazer de menino. Não olhar o céu era uma agonia. A parede tinha uma rachadura tênue, como que apontando para longe. Jaci tinha apreço por sua mãe, não se magoava quando era punido. Ao contrário. Desde o primeiro banco, entendera que a jornada era um desafio, lua após lua. Como a lua tinha várias faces, percebeu logo as nuances de tudo, inclusive dos veios da rachadura. Cada dia de banco, novo incurso, sem pressa. Jaci saiu à porta numa noite de lua redonda. A professora havia falado, na lição, sobre eclipse. Explicou direitinho, como a luz do Sol se movimenta, de forma a tapar sua protetora, criando um halo suave em volta. Assim ele escreveu a definição, na prova relâmpago. Jaci quis observar o fenômeno naquela noite. Êita palavra profunda: fenômeno. De um pano de chão sem uso, que a mãe autorizara pegar, mais uma gravata antiga, talvez do seu avô, meio puída na ponta, Jaci improvisara uma sacola, na qual guardava pedras, um gibi, folhas, uma caixa com asinhas minúsculas, lagartixa seca, seu caderno não muito limpo, a prova relâmpago e o B-, uma carta, lápis mastigado na ponta e um pedaço de bambu, que guardara não sabia pra que. A mãe avisou não vá para o quintal àquela hora. Jaci estava banhado e com a roupa de dormir. O menino apontou o bambu para o céu. Uma régua de agrimensura – outra palavra que pesava -? Um ponteiro de bússola? Não, não servia. Jaci não tinha lida alguma com elfos, duendes ou varinhas, achava pouco sensato. Observou o bambu em seus ângulos, o interior vazio. Foi aproximando o orifício do olho, até encostar. Viu ali, no oco do bambu, uma forma reduzida do céu. Foi virando a cabeça, devagar. Havia uma coberta de estrelas, milhões, difícil imaginar quantas. Protetoras menores, pensou. De outras pessoas. Chamou a mãe e lhe ofereceu o bambu, para que achasse seu protetor. A mãe, que amava seu filho, entrou no brinco. Lá estava a lua, cambante. Ela aproveitou-se de sua sabedoria de revista. Era fã de fotonovelas e uma nota de pé de página falou do signo daquele dia, mencionou lua e Saturno em conjunção, que dava para ver a olho nu. Demorou em sua busca, o céu estava mesmo em festa. Jaci alternava seu olhar da mãe - outro céu -, para o céu em si.  Mais um pouco e a mãe exclamou olhe devagar, filho, olhe com cuidado pra lua. Hoje ela tem visita. Um quarteirão antes da casa de Jaci e sua mãe, um homem de sobretudo espiava a cena. 

Comentários

Postagens mais visitadas