Contos de buraco de fechadura 4




Nos mundos pequenos, há afetos ousados. Abelha Mestra, assim chamada pelo seu posto de comando, percebeu aos poucos o fado. A cada viagem das operárias, pelo menos quatro baixas eram computadas. Oito, o controlador do tempo, do desenho de voo e distâncias percorridas, achara naturais as anotações que fazia, uma margem de corte cabia em operações como as da Colmeia. A missão era previsível: voar pelo jardim, dois ou três quilômetros além do perímetro da árvore base e coletar néctar de plantas silvestres, flores, além de polinizar o quadrante.  Ao final de sete dias, porém, quando o número de perdas passou de setenta lá foi Oito, reportar ao Diário de Bordo suas constatações. Diário, como agora será chamado, anotou em seu diagrama as estatística e, de asas suspensas, foi atrás do Síntese, a fim de prestar contas. Qual não foi a surpresa de Diário, ao perceber que este nobre soldado era um entre as cifras nefastas. Foi convocado o Conselho Abelhal. Na maior ordem, apesar do forte alarido, o Conselho deliberou. Voluntário algum para chegar à Rainha, que naquele dia sentira as primeiras contrações. Estava para dar à luz a Abelha Mãe. 

À mesma hora, em que tudo parecia irremediável, ele retornou. Vestia bermuda florida e camiseta branca de manga longa. Meias de jogador até os joelhos e um tênis cano longo. O cabelo  emaranhado pela brisa. Trazia nas mãos o pote que a tia lhe dera e um pano branco de linho.  O menino tinha o dom. Os aldeões o chamavam artilheiro das abelhas. Não é sempre que se pode presenciar o ato. E na manhã em que se registrava luto na Colmeia, o menino vinha colher o mel. Ele caminhou, como que em linha invisível, pés fincados, o zumbido, o pote vazio na mão. Sem luvas ou proteção para o rosto, acercou-se de manso à árvore, colocou a mão direita e o antebraço dentro daquele toco desfolhado no meio da colina, retirou um bom pedaço de favo. O mel veio junto. Com toda delicadeza, coberto de abelhas, o menino verteu o néctar no vasilhame. Rosqueou a tampa, limpou-a com o linho e se pôs a caminhar, tranquilo. O pão quentinho que a tia assara esperava na cozinha. O menino ofertou aos irmãos o puríssimo ensinamento.

E, porque tudo carece um desfecho narrativo, naquelas semanas ficou decretado que os agricultores da região iriam contar à Abelha Mestra o terrível fato que mudaria completamente suas vidas.

 

 

 

 






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