Contos de Tarantá 7



Dia de pegar petelequinho no pulo. O espaço na parede, demarcado pelo prego, fazia a menina esfregar os olhos azulíssimos em vários momentos do dia. Outra ausência era Dilermando, o gato companheiro. Há dias não aparecia em casa. A vida tem dessas passagens, Menininha. Tudo passa.  Era assim que Dona Wasi tentava, ao menos, consolar a criança de tantos espaços em branco n'um coração tão moço. O leitor poderia perguntar, avançados os meses, por que Estrela agira tão intempestiva na tarde em que Menininha chegou. Passa fora? Mas se nem cão a senhora tratava assim? Conversa longa, para ir desembaraçando, reescrevendo, relendo, remendando. Bom, nessas faltas que colocavam Menininha em estado de solitude, era que o relojoeiro pedira paciência, talvez se encontrasse um cuco para repor ao relógio, morador da loja há exatos setenta dias. Já o gato, quem poderia dizer? Não era caçador ávido, o Dilermando, até pacato demais. Nos quatorze anos de convivência, sumira apenas duas vezes, intervalos curtos, sem maiores arranhões. Escutador fiel das aulas de bordado, fugia apenas a aulas especificas de canto e piano. Não era capaz de suportar sonoridades nascentes. A única que lhe causava certa surpresa era a filha da Idália, aluna exemplar, mesmo brilhante. Na manhã do sumiço do gato, Etelvina  dissera à mestra que partiria no trem do domingo próximo, primeiro para Goiânia, depois para a América. Toda a viagem, a aluna a projetava em segredo. Também Estrela conheceu os pormenores do romance naquela ultima aula, em que a moça, meio-soprano, tocara e cantara o tema melancólico de Guerra Peixe. Menininha, nos dias que se seguiram, passava-os a janela, olhando entre o rio e o sino da Igreja, onde as vezes Dilermando tomava sol. Em algum momento a cuidadora, que lhe pedira quando quisesse, a chamasse avó, passava por ali e tocava, de leve, o ombro da criança, que ainda custava a aceitar caricias. Menininha não se esquivou, o que provocou alivio nas duas. Uma brisa perfumada de mangas aquietou tudo. Parecia que dizia tudo está a contento, não tema.

 

Graça o bichinho tem, um sentimento de empatia logo vem. Risonho, as vezes, inconvenientes são as marradas. A galhada, dois bumerangues, vive enroscando na cerca. Nada a fazer, nem avançar, menos recuar. Diante do 'rapazito' a ruminar o capim gordura, cresce uma lição - arrogante fora, e não é pensado. Fraco dentro, por natureza e serviço. Confiabilidade vulnerável.  O bode, um parceiro de cabras, uma metáfora  da velhice. Contemplação. A natureza da firmeza, da constância, o refino da teimosia. A terra dá os visgos e alecrins aos molhos, matéria mental. A nebulosidade, bruma densa, pode-se atravessar. Lá está o bode, rindo e ruminando. De Menininha, o animal aceita afagos e arrulhos gentis. Olha com seus olhos de gude e segue com o desjejum, encantado com as ervas-doces do caminho. Menininha toca o cincerro e lá vem as damas, cabrinhas soberanas, o efeito criativo do encontro. As cabras, que moram na mente, jorram leite de poder. Quieto, surpreendente. A poesia tem desses passeios bucólicos. 

 

Menininha vai tomando gosto pelos desenhos, pela escola em casa. O respeito amoroso viceja em seu coração imberbe. Avó. Dilermando... ps ps ps ps ps... Dona Wasi dá um assovio longo, quatro tons. As cabras fazem coro, com seu bé hééééééééééééé.

Comentários

Postagens mais visitadas