Contos de Tarantá 4






Em um lugar que é caldeirão de culturas, Dona Wasi rolava os pregos entre os dedos. O martelo descansava sobre a mesa. 

Enfim, depois de um banho, dado com muito cuidado, à base de canequinha, depois de adaptar uma combinação de algodão que servisse no corpinho sumido, só pele e ossos, Dona Wasi conseguira embrulhar a menina, que cabia bem em um cesto de pão. A senhora, que não era de acúmulos, guardara uma chuquinha da filha. Por intuição, fez um chá de erva doce e o colocou, morno, no frasco infante de tão antigo. Sentiu que não era produtivo oferecer alimento por hora. Apoiou a cabeça da menina nas mãos, como quem acolhe um passarinho, e deu o bico da chuquinha para sugar. A menina suspirou e bebeu o líquido, devagar, como a lavar o espírito. Depois, enroscou-se no tecido macio que a cobria e fechou os olhos inchados. Dormiu. Dona Wasi – e aqui a poderíamos tratar na língua oficial, Estrela, rígida ainda de toda comoção, balançou o cesto por mais algum tempo, aproximou o dedo às narinas da criança vez por outra, a ver se respirava. A senhora havia posicionado o cesto junto a sua cadeira de balanço, que servia para ler, bordar, escutar o rádio e olhar a janela. Tinha vista, a janela, para a rua e para o rio que cortava o bairro, desses riachos macios de província. Naquele momento, era o rio das almas que a senhora mirava. Estrela recostou-se, só a luz do poste refletia nos móveis; mirou o escuro da noite, norteando os gestos pelos pingos da calha. Lá no fundo do som, algum caminhão da Transbrasiliana fungava. Chovia, para chamar sono, entretanto a professora mantinha a lucidez, um silêncio meditativo, sem ponderações. Apenas deixou que o sangue circulasse, que o ar permitisse os movimentos de inalar e exalar o mais brandamente possível. Era tacanho pensar onde come um comem dois. Pueril pensar na manhã que logo viria. Inútil calcular o orçamento justo, nesta hora de quietude, até dos anjos. A livraria mágica de Paris repousava no aparador, a página marcada com os óculos de ler. Livro que não rendia, história precária. Um gato, companheiro de quatorze anos, espiava toda cena da estante, longe do alcance, atento aos olhos de Estrela, que não o chamaram para jantar. A situação, inusitada, e essa palavra não diz nada do conteúdo do cesto ou dos pregos esquecidos junto ao relógio, a situação era o rio, um pouco mais agitado, por conta da chuva. Outro objeto chamou a atenção de Dona Wasi – para que o amigo leitor não esqueça as raízes, na noite: o seu caderno de anotações. Há tempos, a senhora, cujo nome se traduz estrela, escrevera a frase Um copo d’água do tempo de Eledá. Quem sabe agora, o cesto já sem pulso, a menina ressonando, Dona Wasi buscasse sentido.

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