ardores de julho





3 de julho

Minhas asas são meu oceano íntimo
Eu o vi, tal oceano, escuro e denso, e tive medo.
Hoje, dia frio julino, uma paz não vivida me acenou
Inútil buscar um verso que retribua o gesto
Névoa, bruma, quietude, silêncio, nudez
As palavras, substantivos comuns, perguntam.
Cantar alalas oceânicos, talvez eu pudesse.
Umbigo do entendimento, abraço, início da conexão.

Para Lin Egas


6 de julho

intimidades que só a música diz
larguetos, um pouco sustenidos
apassionatos
com expressão
suave
quando o fogo crepita dentro
urgente quando o relógio desperta
e o tempo voou
as melhores edições da vida
são os dias de ouvir cantar
e ir embora
com vontade de ter pegado na mão

7 de julho



Salvas de fogos de artifício
Espantam as rolinhas na tarde
Em algum bairro, crianças se encharcam
Uma chuvinha gelada lava o inverno
Tin, tin, tin, a caneta tamborila sobre o madeiro
Invisíveis, os verbos sorriem em algum canto
Ventos, vozes vagas, ruminações
Então me volta aquele desejo de chá
Sonho a mesinha redonda, o fogo na lareira
Suspiros servidos ao lado da xícara
E a tua mão a meditar
Passa daqui para ali sobre a toalha
É o momento, estendo a minha e te toco.
Gotas frias estampam minha testa
A vida é mesmo um aluvião
Do outro lado, teu dedo encantado dá voltas
O tecido da toalha se crispa
Tenho algo a dizer, mas o verso não vem
Uma agitação no fundo da sala nos chama
As mãos enfim se largam
Muda o quadro acolhedor
A chaleira de porcelana foi ao chão
O anel de noivado, mergulhado no chá...

18 de julho



Encantei-me quando visitei a cena
Era uma palma sobre as costas do vestido de uma mulher
Leve e envolvente a mão borboleta flanava sob a escápula esquerda
Em movimentos de sobe e desce, imperceptíveis
Lembrava um casal antigo, íntimo,
Hora décima oitava do dia
Entardecer invernal, desses que choveram demais e preveem sol para o devir
Tocava as costas como quem toca um samovar
Ou talvez uma ave rara, presa em linhas de pesca à margem do rio
Caso fossem casados, namoravam, era a conclusão a se chegar
A tarde avançou em pinceladas frias
Vazão da luz fluorescente da concessionária
A espera do veiculo em revisão parecia um pretexto
A ver no que daria aquele convite feito de mão carinhosa
Só que a cena evoluiu
Com o punho direito, a mulher enxugou o choro pequeno
Onda volumosa, lágrima de um coração caiado
Súmula de final de partida
Tirou o corpo do átimo de segundo
A mulher iridescente, morta na despedida
Sem sonho e sem a mão



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