As rosas de abril



 
às vezes sinto tua mão na minha
Por qualquer sopro singelo de vento.
Às vezes ouço tua voz
Nas entrelinhas dos arranjos.
Às vezes as separações são o céu,
Bem o sei.
Quereria manter
Atitude de silêncio


Vários homens, meninos, pais
Uma moça, guria mulher
gente livre em volta de mim
tentando cantar
Para criar a ambiência
do dar a vida por cantar
lembrei do Cristo e sua via crucis
de um cirurgião cardiologista
do peito de um homem amado aberto
a bisturi e serra elétrica
do expor-se para milhares de pessoas
do cantar e virar um deus
eu, tão miúda naquela classe
um pacote amassado
em porta-malas
vasculhando as memórias
ensinando a mentir
para não morrer de dor
O que será dessa gente, meu Senhor?
Quais são Teus planos?
O que haverá na próxima curva?
Como não devo chorar
canto.
Qualquer canto, devera.

3 de abril



Tomou o caminho de uma alameda
Arborizada, perfumada de alfazema
Pensava em nada, porque a manhã convidava a azuis
Então contou oito travessas, de percorrer sorrindo
Tangendo as memórias do peito acalentado
Em sabores de pitangas, nenhuma saudade
Mais adiante era preciso retroceder
As horas passam e o mundo dá voltas também
Girou sobre os calcanhares e ganhou velocidade
Imaginando a velha capa da infância aos ombros
Contra a luz da tarde que chegava
O amor foi ganhando fôlego de tuc tuc’s

4 de abril

Partilhar pão e pedras.
Eis o prenúncio da Vida.
Eis o que devemos fazer,
antes de partir.
Cantar é uma forma de pão.
Cantar é pedra.
Cantar é a mão na tua mão.


10 de abril


Tarde intensa, muitas perguntas sem resposta imediata.
O canto é nossa menina dos olhos.
Atentos, pontuais,
acalentamos
A verdade
O rigor
A leveza da oralidade
O abrandamento intelectual
Sem avaria da agudeza
O canto é nosso menino de ouro,
diabrete simpático
Que nos olha de longe e corre,
serelepe
E tropeça,
e se levanta e torna a correr.
Quem será a alma da Rosa?
A Terra, a Vida, a Mãe,
a bela donna,
a beladona.
O láudano.
O canto é nosso relicário
Rosário
Terço
Patuá.
A roda nos acolhe
Em abraço materno
E cantamos.
Quem para nos dizer o que cantar?
Quem para nos calar?
Quem para nos consolar?
O menino usando salto quinze.
As meninas aos beijos no jardim.
No final do dia, em fogo,
Nós somos meio heróis.
Meio heróis...


13 de abril, adeus Eduardo Galeano.

Ah, tez antiga, tingida de estrelas
Teu frio divaga em meus dedos
Ah, tez antiga, tingida de estrelas
Teus não-sinais embalam meus dedos
Ah, tez antiga, tingida de estrelas
Um suspiro, suspensivo, sigiloso
Ah, tez antiga, tingida de estrelas
Um beijo, betume, via solitária
Ah, tez antiga, tingida de estrelas
Teu viço formoso enlaça meus dedos
Ah, tez antiga, tingida de estrelas
Manso, seco, sorvo, espero, meus dedos
Ah, tez antiga, tingida de estrelas
Tudo está no lugar. Silêncio.


27 de abril

Cores tão negras, tão cinza, tão densas no céu
A noite agitada, o mar recluso sob os relâmpagos
Dei meu corpo a um acolhedor remanso
Contive meu sopro para olhar o estranho símbolo
Elegante caduceu em assunção, indicando a passagem
Uma visagem de trabalho em sono REM


29 de abril

O braço forte está fraco.
Sai-se melhor lançando pesos de um quilo,
porém erguer, girar, sustentar é suarento
e doloroso
especialmente do lado do coração
de movimentos fixados (sabem o que é isso?).
O coração está triste.
E não por falta ou ausência.
Está triste por aceitar.
Coisas simples, da vida,
essas que machucam
o fato de não nos quererem bem
de não sermos úteis
necessários
e isso é tão relativo
que entristece mais.
Coisas mais complexas,
como amar sem condições,
isso são mais que tristezas,
são pesos, são incógnitas,
são leis morais (invenção humana).
A vida é um menu.
O braço estando fraco,
empunhar a espada de luz, como?
controlar o farol, como?
Sento-me, portanto,
diante do mar (que é a vida),
o lápis no punho esquerdo
e as palavras se enfileiram
embora não formem versos.
A fluidez das ondas, o canto delicado da brisa,
intuídos,
tudo promove concórdia
tudo convida ao suspiro
profundo, lento, profundo, lento.
E o coração cala, embora triste,
onda magnífica oceanar...

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