que entre março na avenida


 

 1 de março

Pedras de jade caídas no meio-fio
o pescoço nu se agita
do peito sobe um gosto de linho
e as disputas irrompem
a fala, cativa em lugar não divulgado
mexe seus soldados em silenciosa prece
o coração pulsa lento
o respiro opressivo cede
a ordem no areal
urge
que vontades, que doces, que fel?
que cravos, que beijo?
a aura recobre o cordão dourado
silenciosa prece
a voz, minha voz
o amor, meu amor
a intuição, minha questão
a viver, sou eu

 3 de março


Querido Mestre Jesus

Teus dedos tocam nossas cabeças

Com a quentura das boas manhãs

Teu olhar nos transpassa

E afirma Sua confiança em nós

Tu sabes que haveremos de crescer

E, se há possibilidade de falência,

Há a evocação, há o som da voz

Que sobe e alcança o Teu coração

Faça de nós rastelo de Teus roseirais.

Faça de nós água de plantio.

Faça de nós espantalhos dos infortúnios

E que possamos, uns pelos outros

Prover os celeiros de alimento

Prece e canto, é o mesmo.

Abençoa, Senhor, esse teu servo

Que tanto carinho gera

No coração de tanta gente.

Abençoa também a mim, Senhor

Que vou tecendo os dias em poesia.

Fica conosco, agora e sempre.

Que assim seja.

 4 de março 

O lago e a montanha
Um dia conheceram o amor
Ele, em alegria descontrolada
Adoeceu
E consumiu suas castas águas;
Ela, que se alimentava dessas águas
Enrijeceu e alardeou-se.
O vento, que assistia a tudo do céu,
Arrepiou a crista do lago
Causando-lhe leve frêmito.
Por debaixo da montanha
Ouviu-se um ronco surdo,
Lamuriento.
Era o coração liquefazendo.
A lava escorreu, lenta
Beijou o lago na testa.
A montanha voltou seu cimo para céu.
E não era vazio
E não era despido
E não era indiferente
Era algo sem coberta
Sem desculpa
Sem conversa
Dos escassos recursos da paisagem
Veio alguma solidão
E o amor ficou assim
Brita fina, fria.


5 de março

Espírito esclarecido e benevolente,
mensageiro de Deus,
que tens por missão assistir os homens
e conduzi-los pelo bom caminho
Ensina-nos a captar de forma sábia
as vibrações de cura
para nossas mazelas de deserções.
Que possamos contribuir para a evolução
uns dos outros
vibrando em Tua luz
e dando-Te o retorno
através da tarefa sutil que é cantar
Fica conosco, querido Anjo
agora e sempre
Que assim seja".


Passarinho lá no galho
Cantou a mesma canção
Era triste e era prece
Pra tanger ao violão
Piou, piou, piou
Lá no galho
Passarinho cantou a mesma canção
Passarinho lá no galho
Cantou a mesma canção
Era simples e era breve
Pra cantar num ribeirão
Piou, piou, piou
Lá no galho
Passarinho cantou a mesma canção
Passarinho lá no galho
Cantou a mesma canção
Era doce e era leve
Pra tocar o coração
Piou, piou, piou
Lá no galho
Passarinho cantou a mesma canção 


7 de março

Querendo morar na Bahia
A estação Central do Brasil
Nas ondas da Rádio Nacional
A beira mar, Canoa Quebrada
Vale do Jequitinhonha
Serra da Mantiqueira
Centro de Belém do Pará
que na periferia é que não
chove numa tarde e outra também
no topo do Nhundiaquara
no recife, na Ponta da Pita
O Butiatuvinha toca e canta
Sei eu não
A origem
Mercês-Água Verde
Aguarrás, Acre
roqueiro progressivo ou Felipe Glass
Lamartine
E o primeiro último carnaval
O diferencial e a rebimboca
O clichê e o sazonal
O poema inacabado de Dolores Duran
Para enfeitar a noite do meu bem
O coco, o mantra e o acalanto
Que, para o meu espanto
Foi andar de bicicleta
Na parafuseta
Do lago mais lindo do mundo
Afortunada paisagem do Barigui
(Onde tudo parece Mônaco.)
Eu não sei como se dança
Entrei e saí pela porta aberta
Foliei até cair pelas tuas mãos gigantes
Me enterneci, estremeci e desci
Fugi devagarinho das alças do caixão
Que se abria que nem jiló
Arreganhando os dentes
Dei bom dia à Cultura Brasileira
Pus um chá na sorveteira
E chorei,
Diante do mar de formigas
Na caixa de ração da minha gata
A vida é mesmo assim
Uma surpresa atrás da outra
Uma mãozinha ou uma flor
À base de resposta
Nossa Senhora Aparecida
Nesta manhã de trem descarrilado
Eu Te ofereço o meu bordado
Meu cuscuz e espanador
Não vou rimar lembrança,
Nem saudade, nem amor
Que já tem vela demais
No seu andor




Lua de Raimundo
Lua de Marília

Lua de Clara e Bela

Lua Normanda

Madrilenha

Lua dos olhos dele

Lua dos olhos meus

Ele quem, Zebedeu?

Ele, ele que faz o baque

Que reza o terço

Que gira a mó

E faz melaço

Espanta a rama

E estardalhaço

Faz do vento um zumbidor

Lua plena

Lua luz

Lua lua

Por um momento

Era eu quem ria

E depois...

A popelina   

O que é popelina

Vamos perguntar

Que o verso sempre escorre para o mar

Tecido de bom tom

Tecido de lua

Lua selva

Lua cala

Lua deusa

Lua flor

Pode esquecer

Que não vou te rimar

No bastidor

9 de março
 
Estimado Sr. Beck.
Sou um escrevente.
Eu o faço por necessidade.
De viver, de andar.
De firmar o que não sei dizer.
Jamais me arvorei de poeta
Ou o que valha,
Gosto mesmo é de ler.
Gosto também de registrar
No idioma materno
As horas
Os sopros
Os socos
As sagas
As retiradas estratégicas
Os W.O.
Assim não morro de dor.
Não procurei mérito algum ao escrever.
Tão pouco ofendê-lo.
A Internet entendeu
Estendeu os autos
Eu aproveitei.
Talvez, se fosse esse o caso
Eu respondesse o vigoroso ensaio de V.S.
Com outro
Mas a vida é assim
Tem horas
Que bate uma preguiça araguaiana
Cheia de chuva
E não há Dante que suporte
Algo depois da Divina Comédia
(o Sr. Tem toda razão).
Então eu pensei
Em lhe presentear
Com talvez o meu pior texto
Sem camisa
Sem graça
Sem praça
Ou patente.
Sem a menor intenção de nada
A não ser continuar a ser nada
E mesmo assim escrevente
Livre.
Desejando-lhe votos
De novos e brilhantes
Arroubos literários,
Subscrevo-me.
Seu
L.G.


10 de março

Vão-se os dias
Imperturbáveis
Beneficiados pelo silêncio
Rosas descansam no vaso
Acalentando as preces
Rendo graças à Senhora dos Remédios
Eu canto canções púrpura
Imantadas com orvalho
Bálsamo para as horas duras
Elevo meus sentimentos
Muita vez de saudade
Plantados em jardim de escrevente
O tempo é rei
Resta a pacienciosa guarda
Todo o Universo conspira
Invisível e tão palpável

11 de março



Eu te darei, sempre,
o ar que eu puder inspirar
Nele eu sorvo o desalento
E visualizo o vasto azul
Para que te sintas bem
Para que possas ter espaço
Para que te cures
Depois eu farei, sempre, o caminho de volta
Expirando
E te ofertarei paz e bem e alívio
E ficaremos, ambos, amparados

15 de março



A voz cantante da senhora dos perfumes

Baila em mim

Mais uma, devassada por Aqueles olhos

Não posso, Ele disse, não posso. Depois.

E a senhora dos perfumes chama

E acende a lamparina

E espera

E espera

E espera

A voz cantante da senhora dos perfumes

Baila em mim

Embargada, decrépita, descomposta

Não posso, Ele disse, não posso. Depois.

E a senhora dos perfumes deixa

Deixa, deixa

Passam-se os anos

A carne apodrece

E o colo, nada menos que o colo d'Ele
no final, vem

O enredo cósmico é inferno e céu,

A debelar-se em mim

17 de março




As palavras se afastam
Como se afasta a ajuda
Para que as coisas não quedem piores
As palavras se afastam
Como se esfumaça a nuvem
Zumbida de vento
Furacão terrífico
Purificador do espaço
As palavras se afastam
As palavras se afastam.
Murmuro por elas, as palavras
Voltem, voltem
Elas, lá longe, num laranjal em Valência
Ou no País de Gales
Ou nos pedregulhos de uma praia distante
Ouço-as atadas em alegre seguidilha
Rindo, às turras, dos passos atrapalhados
Olham para mim, as palavras
E acenam intimidadas
Melhor que descansem, brinquem, tomem sol
O bordão, dó que Deus me deu soa, longo
Esperando
Esperando
Esperando

20 de março

Tudo será depois do eclipse, eu o sei. Será, quem sabe, melhor. Reflito se o destino é um buraco negro ou a estrela mais luminescente do acolhimento. Eu agradeço pela generosidade da arte, pela possibilidade de aliviar, através dela, alguma coisa estilhaçada no tempo do meu ser espiritual. Eu peço perdão ao Universo, pelas falhas antigas, pelas falhas atuais. Pela desesperação . Pela vida que tece e retece a roupa de meus passos. Sem vilões, sem visões, sem idealizações. Só o que é.

23 de março

Hoje eu disse com as mãos.
Meus pés, no seu recorte em paralelo
Dos sequelados
Ansiou por pulso,
Pelo contra, pela síncope, pela pausa
Hoje meus ouvidos tragaram
O acorde
O concorde
O caos
a surdez
E a força das senhoras cantantes
Hoje eu sorvi talento e beleza
Num riso largo
Intenso
Hoje o amor veio
Em propriocepção
Ah meu irmão, meu irmão.
Hoje eu disse com as mãos.
As palavras são fleuma às vezes.

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