Vento e outras canções de maio

Maio, soprou um vento voraz em tua primeira madrugada
As telhas repicaram, surdas ao teu contato violento
As folhas de outono sopraram, longe, as ultimas energias que tinham
O furor frenético da tua voz me fez velame
E uma dor profunda me subiu dos quadris
E tomou minhas costas
Era o canto enluarado da minha aurora que se vai
Mas, ó maio, não me deixes a deriva
Que ainda há ramos em minha árvore
E é sábio esperar

2 de maio de 14

O céu, mareado de rabos de galo, frui a imagem do outro
Sinto o frio nas ramas do arame farpado
Um fiapo de sei que tecido, 
pendurado ao centro direito do plano 
revela tamanha solidão
Viajo nas curvas delicadas do monte
sempre verde,
No ultimo plano.
Pois no altiplano 
somente os rabos de galo do céu dão adeus
Não sei se existo, não sei se pertenço àquela fímbria
escondida na curva, nuvem d’água
Em primeiro plano, macelas e a pedra, miniatura monte.
Ai de mim, se sentir saudade.


3 de maio de 14, aniversário do Paulo.


Retorno à superfície
Atento ao mergulho desesperado do Si
Uma vez mais o desfiladeiro tragou as asas           
No abismo onde se entreve o finito pavio
E, embora a lama e o silêncio, valeu-se o espírito nu
Notável em sua reabilitação                                                                                
Zune o ouvido interno das poesias água
As que pertencem ao drama e ao caos
Nega-se, a palavra, a traduzir o nuvioso das ambições
Nega-se, embora a lama e o silêncio, a compactuar com o caos
A palavra só significa porque canta
Mormente os abismos, ruídos de mergulho

11 de maio de 14

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Do dia em que assinei o contrato lá com Deus
e saltei do "puleiro das almas"
até hoje
tenho frio nos ossos
Meu pai me dava chá de alho
para curar a garganta sempre em prantos
e até hoje ela me dói, rasgada
Reza o contrato 
que cantar é um empreendimento meu
para que se faça valer
comprovante fiscal de minha vigília na Terra
A terra onde minha mãe me sentava
para brincar e comer (terra)
"Um rosário de lombrigas" eu pari uma vez
As circunstâncias fizeram-me passar ao largo
do evento mãe biológica
e vários alunos renegaram
meu certificado de vice-mãe.
Neste fim de noite dos incontáveis dias das mães
gravo meu testemunho tosco
de esperança multimilenar
um dia eu terei gerado todas vocês
mães que me serviram de âncora a cada salto





15 de mai de 14


Tens as palavras,
Entalhes primários dos ecos que não mais ouço a tempo.
No ofício de legislar,
Encerras-te na masmorra
Rasbiscas memorandos
Atos institucionais e eu tenho a garganta riscada.
Dos teus ombros verga
O desaparecimento de uma nau de militantes criativos.
Nada mais de artistas docentes
Dolentes artistas. Viraram pó. Oxidaram. Ou fui eu que me perdi.
Eterno conflito entre deixar passar
Ir e não voltar. Aceitar e servir. A que?
Retrato do progresso.


18 de maio de 14


buscava esse estado de flores silvestres
humus sob os pés
e o coração lilás do plano de fundo





*malas que se perdem no aeroporto - Santiago - Chile, 2005


21 de maio de 14

da sala fria, um tanto suja
de um prédio sujo e sem magia
saí de mãos pálidas
para não dizer dos cabelos que caem aos tufos
era um dia de outono
de usar manga curta
os medos ancestrais cantavam em mim
e cai no tráfego sobrecarregado
da cidade
a sossobrar o meu cinquentenário cheio de não
que poderia dizer mais?
A esperança?
A confiança?
pareceu-me um jardim
onde o cachorrinho bassê
cavou dez novos buracos


25 de maio de 14


Frio aos pés da cidade, e neste caso, lê-se natural.
Em alguma página de um livro um estudioso,
Notável na pesquisa sobre a maquinaria do corpo,
Doutor em causas perdidas,
Aconselha amantes a procederem exames 
De toda sorte.
Em sua tese, o honoris afirma que “certos encontros amorosos são erros biológicos”.
Tudo vai ficando assim como a mentalidade quer: inconsútil.
Um bando de nuvens ligeiras atravessa o quadrante leste do céu.
Nidação iniciada, vale expor a palavra do dia sobre a folha.
Deixo a palavra ali, lavrada em azul de metileno sobre pergaminho pardo.
A cor do azul, acordo, acordo. A fundura do vale, a fenda.
Visão do eco, escuto a profundeza de Tundavala, seu verde quente e seco.
A atmosfera densa da manhã, com sua garoa de rendilha,
Lamuriosa, serenante, Guimarães,
Acolhe o corpo intrincado nas camadas de coberta. Nada de erros biológicos para mim.
Halos de aranha valsam do limoeiro, orvalhados.
Uma maritaca grita, três galhos acima. E a nuvem, a nuvem, a nuvem.
Infinitas configurações de página consomem a palavra que lá descansa, só.
Leio azul, leio verde, leio nuvem e leio o sol, oculto.
A palavra do dia tem os pés frios. Tem sombras e razões.
Na hora certa, os degraus de pedra da fenda convidam, viagem.
Gruda-me, na parte de minha alma que não tem corpo
O horizonte mais longínquo da paisagem.
Leio a confusão sem redondilhas.
A palavra há de ter paciência, é um encontro amoroso.


28 de maio de 14, aniversário da Lise


Vai a palavra se abrindo
Embalada no quente da vela
Lume âmbar em prata parda.
A palavra vai zunindo, pétala vocálica,
Estremecendo, esvaindo.
Canta a palavra, em contato com o vento.
Avia-se, prudente, a palavra entre as cadeiras.
Deus permita que eles nunca percam, pois que eu já perdi tudo
E o temor de perder ainda não passou. Um aparte na palavra, só.
Imagino o dia em que o lume se apaga e a palavra se cansa. Perder tudo.
Repouso minha cabeça tonta de chorar
Atravesso a noite sem dormir. O pior pode chegar? Pode.
Sem mais palavras, acendo outra vela.
Nossa Senhora da Luz do Pinhais, valei-nos!

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