Dando início às comemorações

“Então ele sente sua força se elevar ao longo da coluna vertebral. Seu sopro sonoro sobe por seus canais interiores, dilata seus pulmões e faz vibrar seus ossos. Assim transformado em ressoador cósmico, o homem se (in)veste como árvore que fala.
Essa força tomará assento na sua pele ou no seu esqueleto, se o sacrifício tiver sido total. Então ele não será mais que um instrumento entre as mãos de um deus, e seus ossos, ainda impregnados de sua força sonora materializada, constituirão amuletos preciosos entre as mãos de seus filhos.
Sua parte imortal (o som fundamental de sua alma) se encaminhará para a via láctea. Mas logo que ela tenha conseguido passar o ponto perigoso situado a oriente, entre Órion, Gêmeos e Touro, onde os astrólogos situam a laringe do mundo, ela se incorporará ao coração dos mortos e participará de seu canto na caverna de luz que lança o ovo solar e fixa sobre o chifre do touro primaveril.
A laringe do mundo é a caverna de luz, a garganta aberta dos deuses que, a cada primavera, renova a ação do abismo primordial abrindo suas portas ao sol que sobe como uma árvore, um ovo resplandecente ou um crânio cantante.

A laringe do mundo é a caverna de luz, a garganta aberta dos deuses que, a cada primavera, renova a ação do abismo primordial abrindo suas portas ao sol que sobe como uma árvore, um ovo resplandecente ou um crânio cantante.
E é esse crânio que enuncia novamente o mundo através de uma música, cujos raios ressoam primeiro como a sílaba OM(...) Ora, para emitir esse sombrio canto dos começos, destinado a se clarear cada vez mais, foi preciso que os lábios do cadáver vivo se arredondassem para formar o círculo 0, símbolo da saída da caverna de ressonância de onde sai o sol a cada primavera para renovar a substância sonora de tudo o que existe.”
                            texto brâmane, encontrado no livro O som e o sentido, de José Miguel Wisnik, 1989, p.35.

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