SOS viagens aéreas

Bom dia, visitadores deste espaço.
Acabei de chegar em casa, aqui em Curitiba, minha velha terra cinzenta e ranzinza.
Vim da luminosa, sedutora, romântica e altaneira Buenos Aires, com suas avenidas esplêndidas, com seu frisson parisiense, com seu Colon, com seus magníficos homens, todos parecendo artistas de cinema, com direito a dar autógrafo, com aquelas vozes tão graves que a alma se encolhe, quieta, para ouví-los.
Vim de Buenos Aires cheia de impressões bonitas dos homens e da moça com quem toco, cada um deles a me emprestar um pouco do seu tempo, dos seus sonhos, amores e dores, a quem dou de bom grado meu coração.
E com que alívio pus meus pés em minha terra solene.
É tão complexa a situação, que provavelmente terei dificuldade
em descrever -lhe a gravidade.
Todas as gentes, um dia ou outro, precisam de cuidados especiais nos aeroportos.
Quebram uma perna, fazem uma operação, sofrem um acidente, tonteiam, sobe-se-lhes a pressão, ou desce, tem crises de diabetes, angustia, asma, reumatismo, gota, obesidade
enfim,
nos aeroportos todos os dias, várias vezes ao dia, em praticamente todos os voos, gentes de todas as classes sociais, todos os credos, todas as procedências
dois ou três casos cada vez
serão emergências,  serão de maior relevância, cuidado (como por exemplo menores viajando sozinhos, idosos viajando sozinhos, mamães com filhos pequeninos, ou ainda no ventre).
Bonito demais ver o tal do Neymar ovacionado pelos jovens torcedores do Santos embarcando ao Japão, com dólares na burra a perder-se pelos free shops.
Duvido que um dia ele precise passar pela humilhação de lhe informarem que o voo está fechado, que a conexão está perdida.
Alguns perguntarão: humilhação?
É, gentes, humilhação, uma dor profunda e persistente na alma. Explico.
Chegamos ao Ezeiza as 11e45 da manhã. A comissão de terra já foi avisando: el vuelo se retrasa. Passaram-se uns trinta minutos e fomos chamados, eu e este grande cara que me acompanhava, companheiro de estante, para o check in. Soubemos então que haveria escala em Assunção, capital del Paraguay, e Guarulhos. Cambiar de aeronave en Guarulhos. Temido Guarulhos. Mais do que Congonhas, ouvir o nome Aeroporto Franco Montoro me dá calafrios...
Havia uns perfumes para comprar e coisa e tal, um café para tomar, conversas de grande profundidade para partilhar, de consolo mútuo, de puxões de orelha mútuos, de esperanças mútuas, e sonhos e metas e tal e qual e a tarde foi escorrendo pelos dedos, como diz Marcelo Tas, sem que o sentíssemos. Embarcamos às quase 15e50, uma tripulação simpática, Mal Tel e Enio e bora que vamos para mais ao sul. Trocas de bancos em Assunção, até ai tudo na base da camaradagem, pessoal ainda meio sob o encanto dos vinhos e queijos e tangos, sorridentes, eu também toda sorrisos, a espiar um livro à minha esquerda, estudado meticulosamente - O Poder do Agora... cambiamos de aeronave uns trinta minutos após seu pouso... em Guarulhos... meu amigo perguntando: vocês tem certeza que dará tempo de fazermos imigração, alfândega e chegar ao portão? "Ah, fiquem tranquilos, dizia o comissário, um amor de moço, experiente, vinte e um anos de vôos internacionais, cheio de marra e boa prosa, no melhor acento japonês, o vôo foi especialmente escalado para atendê-los" .
Começou então a saga em terra por Guarulhos, primeiro com aquela cadeira tanque de guerra que desce escadas, parece um prédio em chamas, o looping mais vertiginoso de uma montanha russa. Desci com ela, "aos guinchos"e ainda alegrita, achando que a história acabaria bem. Imigração, alfândega, uma cadeira de rodas interna super esquisita, instável. O acompanhante engatou uma quarta e corremos, corremos feito doidos. Quando miramos o portão senti-me como Harry Potter na estação para Hogwarts. O moço que me guiava mirou o portão e abrimos carreira. E naquele instante uma cruz humana abriu os braços e com voz imperiosa disse: vôo fechado. Não é possível embarcar.
Não saberei falar sobre os quinze minutos que sucederam a esta ação. Meu amigo explodiu um palavrão que fez tremer o prédio. Eu produzi aquele silêncio mortal, que me assusta a mim. A crista do tsunami.  Antevimos a noite passada naqueles bancos manchados.
A empresa, em quarenta minutos, tratou de nos acomodar num hotel Mônaco, com translado e alimentação. Eu, arrasada, esmagada por ter proporcionado aquele tipo de experiência ao meu acompanhante (já vivi coisa semelhante em Congonhas tempos atrás, mas estava só e tudo se resolveu em pouco mais de quatro horas, e  não eram 22e30).
Por que você está reclamando, criatura, não foram vocês para um hotel, com cama, ducha, sopa, Marcelo Tas?
E o dia seguinte? O que nos esperaria as 5 e 30 da manhã, quando então voltaríamos ao aeroporto e da-lhe outra busca pelo funcionário que gera a cadeira, que conduz, que acomoda? E como seria o embarque, pelo tunel ou pela pista?
Não pude dormir. 4 horas, Organza passado, desci a recepção, falamos com uma Mariana da empresa aérea e soubemos que haveria infraestrutura completa. Deu pra tomar um café e lá fomos nós. A porta do aeroporto vazia. Cadê o funcionário? Resolvi que era minha hora de fazer algazarra, do tamanho da minha impotência, porque no fundo sabemos: se der errado outra vez e perdermos a conexão, perderemos a conexão, e é só.
Então começamos a pensar várias coisas: logística de embarque e desembarque; quantas pessoas por vôo - tomam o vôo; tipo de situação financeira de cada gente (você paga mais caro e certamente tem o melhor acento, por isso o Neymar jamais saberá o que é essa hora que não passa, de estresse imenso); história de cada gente; cotidiano de cada gente.
Comecei a pesquisar a legislação e encontrei isso, por enquanto:

" A legislação actual especifica que uma linha aérea pode recusar uma reserva ou recusar o transporte de qualquer pessoa se isso comprometer a segurança dessa pessoa ou de outros passageiros.

(Por exemplo, se ela for portadora de uma bomba em sua bagagem de mão...)

Se tenciona viajar sozinho, o "incapacitado" terá de preencher os seguintes critérios, caso contrário terá de ser acompanhado por alguém que possa atender às suas necessidades.

Isto é para garantir que a sua segurança, bem-estar e necessidades possam ser satisfeitas durante a viagem.

Tem que ser autónomo em situações de emergência ou de evacuação (eu não sei se sou autônoma ou não, quando percebi já estava na aeronave, pela força dos meus braços e mãos que viram patas, e garras se preciso for, inclino a coluna, cierro los caninos e viro um urso-leopardo-macaco-dragão alado e ai de quem me estender a mão nessa hora... )

De facto, isto significa que deve, "o incapacitado", poder tirar o seu cinto de segurança, colocar a máscara de oxigénio e o colete salva-vidas e deslocar-se sem ajuda para a saída de emergência mais próxima. (ó que gracinha, que procedimentos chicos, singielitos).

Isto deve-se ao facto de, em situações de emergência, a nossa tripulação não poder concentrar os seus esforços em passageiros individuais. (mui compreesible, no duro!!!!)

Tem que ser capaz de compreender e reagir de forma positiva às instruções dos nossos funcionários. (com todo mundo gritando? Viro Dustin Hoffman...)

Tem que ser capaz de tomar conta das suas próprias necessidades potenciais e do seu bem-estar durante a viagem.

e continua...

Quem é incapaz? De que?

Mobilidade reduzida é uma expressão mais clara, precisa. É o que sofro.

Salvar-se-iam os belos homens de nariz aquilino, em seus ternos mais ou menos bem cortados, que viajam por alguma razão em classe econômica, com seus tablits e malboros proibidos, ou mulheres e seus lenços de oncinha, em caso de despressurização ( e sem menosprezar essas gentes... só pensando que sou diferente deste padrão...)

Fui ao banheiro da aeronave enquanto ela subia a 12 mil metros (quase sem ajuda, sem bengalas, portanto talvez pudesse chegar à porta de saída numa catástrofe, deslizar naqueles tubos plásticos é que se precisaria testar...) e lá fiquei, enquanto durou a turbulência, cantando Mariposa. Se houvesse pane, seria alí que terminaria, sem atrapalhar a passagem de ninguém. Achei até justo...

Há muitos outros aspectos a se ponderar...

" Se a sua deficiência ou a sua mobilidade reduzida significar que não consegue embarcar sem ajuda, ao abrigo da lei europeia, o aeroporto de partida é totalmente responsável por lhe prestar assistência desde um ponto de chegada designado, através do terminal, até ao seu avião. 


O aeroporto de chegada é totalmente responsável por lhe prestar assistência para desembarcar e para o levar até um ponto de partida designado, para prosseguir a sua viagem. 


Se necessitar de ajuda do exterior do terminal para alcançar o seu avião, poderá considerar contactar cada aeroporto por onde irá passar (apenas na UE) para saber a localização dos pontos de chegada designados.

Para sua orientação, a easyJet aconselha a que chegue ao aeroporto pelo menos duas horas antes da hora prevista para a partida dos seus voos.

A sequência de embarque para todos os passageiros, incluindo os passageiros assistidos, será estabelecida em função das condições locais na altura da partida.

O nível mínimo de assistência a prestar aos passageiros com mobilidade reduzida é um serviço de empurrar uma cadeira de rodas e levá-lo e retirá-lo do avião.

Não podemos garantir que será utilizado um determinado tipo de equipamento para lhe proporcionar assistência para se deslocar no terminal ou para aceder ao avião. (portanto, devemos agradecer a empresa por ter feito chegar a nós a "ambulância bus" trinta minutos após o desembarque, o aparelho atendia mais duas linhas aéreas antes da nossa...)

Só gostaríamos que tivesse havido interlocução. Que fôssemos tratados como adultos que somos.

Sempre que as condições locais o permitam, o nível mínimo de assistência será superado.

ASSISTÊNCIA DE UM PONTO DE CHEGADA DESIGNADO NO OU DENTRO DOS LIMITES DO AEROPORTO

Pode solicitar ajuda a partir de qualquer ponto de chegada designado. Como estes pontos de chegada designados variam em cada aeroporto, poderá desejar contactar directamente os aeroportos para obter mais informações.

e continua...

Gostaria de somente iniciar esta conversa. Não sei se é o caso de criar um fórum de discussões.
De procurar ministérios, ouvidorias, advogados, escritas técnicas e legais, falar de danos morais, pessoais.
É uma ação particular, de um indivíduo, de uma fagulha num palheiro que foi lesada na ultima segunda-feira. Que se sentiu ameaçado, este indivíduo, de varredura, de discriminação, de exclusão.
Eu, que sempre me inclui por conta própria, que entrei nos circuitos quando quis,
e que me fechei nos flats a escrever projetos de portugais
enquanto o sol inundava a Avenida Mayo, louca de desejos de mãos no ombro, minha fixação simbólica mais tenaz!!!
Que escolhi silenciar quando se pode urrar... que escolhi esbravejar como leãozinho jovem.

Se gostaria de formar um grupo para escancararmos juntos nossas fobias, manias, traumas, vergonhas de voar.
Não sei se estou falando sobre o velho medo adulto de errar.
De ser ridículo.
Incapaz.
De não ser uma dama com lenço de oncinha...

Agora já estou aqui, no conforto do meu lar, a salvo. Dos estereótipos, das críticas, dos desafios, ouvindo outras aeronaves a passar, porque o espaço aéreo está aberto...

Meus outros companheiros saem de Buenos Aires em seis minutos. Que se queden tranquilos, pacificados. Que façam boa viagem, no vôo original. Que eu os amo. Muito. Que assim seja.

Comentários

Postagens mais visitadas