Sonhos de celebração

"A voz de Mariana era tão gorda como a sua dona. E era tão franca e bondosa como os olhos dela.  Estava longe de pensar que dissera um gracejo, mas o marido sorriu com todas as rugas da cara e aos poucos dentes que lhe restavam. Recebeu as calças, vestiu-as sob o olhar complacente da mulher e ficou satisfeito, agora que o vestuário lhe tornava o corpo mais proporcionado e regular. Silvestre era tão vaidoso do seu corpo como Mariana desprendia do que a Natureza lhe dera. Nenhum deles se iludia a respeito do outro e bem sabiam que o fogo da juventude se apagara para nunca mais, mas amavam-se ternamente, hoje como há trinta anos, quando do casamento. Talvez agora o seu amor fosse maior, porque já não se alimentava de perfeições reais ou imaginadas."

Do livro Claraboia, José Saramago, 1952, editado agora em 2011, após seu passamento.

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