Presépio

À noite o caminho para casa é meio escuro. Inda mais depois de passar pela nova iluminação da Fredolin. E então começa um desfile de luzinhas, laços, papai noel e presépios. Uns até interessantes, uns fantasmáticos. Uns austeros, outros Holiday on ice. Uns doze presépios de quintal. Nas horas mortas é curioso visitar tal museu. O que me chamou a atenção contudo, foi um presépio com uns personagens emblemáticos, com sessenta centímetros de altura, numa harmoniosa representação da manjedoura. Boticelli gostaria de ver. No escuro, com luz indireta, pareciam estátuas de barro, arte primitiva. Bonito. Ontem, um solão 45°, delícia!!!, parei em frente à casa para olhar melhor: bonecos de plástico guarnecidos pela moradora. Eu tinha um desses na infância, comprava-se na feira. Hoje eles são encontrados nas lojas de um e noventa e nove. Estão sempre em cachos, todos nus. Ah, tem uma carinha de Gasparzinho, o fantasma camarada. O meu se chamava Oswaldo. Uns bebês da década de 1960. Dava pra arrancar a cabeça do boneco, e meu irmão a fazia de bola, pra meu desespero. Alí no presépio, a moça os enfaixou com tecido azul, branco, flics e lá estavam Maria, José barbado. Em pé. Firmes. De onde eu apreciava, não podia visualizar Jesus menino. Os três reis magos barbados. Bebês barbados. Não pude ver se havia animais de plástico na composição. Hilariante. Bizarro. Arte kitch. Natal kitch. Natal capital. Com cara de comercial. E à noite, tal presépio conferiu um ar de mistério e brandura ao caminho da minha casa. Que também tem sua arte kitch, sem luzinhas - queimaram... Casas onde a luz da varanda ainda fica acesa povoam o caminho da minha casa, convidando pra ceia, em contraste com alguns altos muros, grades e luzes de renas flutuando no ar. Tudo muito quieto em geral. Tudo muito imóvel em geral. Sem a presença humana que faria das casas bons lugares de convívio. Pelo menos os desencarnados melancólicos podem sentar alí, nas varandas, e aproveitar o silêncio silvado dos pisca-piscas, feito coros angelicais a cantar "bom natal, um feliz natal, muito amor e paz pra você"...

Graça e arte povoem este final de 2011.

Comentários

  1. ...sei desses bonecos... a cabeça deles eram mesmo ótimas para fazer gols maravilhosos... os estádios lotados, enlouquecidos... sonhava que acontecesse comigo como acontece com o Neimar hoje... mas cresci e virei goleiro!!!... talvez porque o raio das cabeças daqueles bonecos adquiriram, em versões mais novas, isso há 35 anos atrás (!!!), um encaixe externo ao corpo... antes era só uma saliência e o formato essencial da cabeça era... redondo... aí veio aquele encaixe que dava à cabeça uma saliência que não deixava "a bola" rolar direito... dependendo do rolar aquela saliência batia contra o chão e a bola ou parava ou mudava completamente de direção... e muito gols não saíam por conta disso... então comecei perceber a presença de zagueiros... obstáculos... sem contar que a tal saliência era dura... chutá-la era falta para cartão amarelo, no mínimo!!!... aí apareceu algo que tornou aquele mundo mais incrível... bolinhas de tenis que vinham de um clube que dava de fundos para casa da minha avó... perfeito!!! abriam-se as cortinas e começava o espetáculo!!!... éééééé goollllllll!!!!... às custas do perfeito gramado que meu avô cultivava durante todo o ano, para eu destruir nas férias de verão... não sinto saudades... mas medo... porque um dia chegava a hora de voltar para casa... casa???... e o mundo então... ruía!!!... cresci e me tornei goleiro, como disse... fui bom nisso até... mas era uma atividade para fugir... ser bom goleiro era o consolo por não ser bom em outras coisas... talvez se eu cantesse... minhas filhas, hoje, me pedem isso... e eu procuro fazer da maneira mais cândida possível... tenho medo que elas cheguem aos cinquenta e me peçam para fazer isso novamente depois de muito tempo, de cujo espaço entre o passado e o presente seja um "pouca coisa" entre pai e filhas... prefiro morrer cedo, mas deixar perfume a morrer oitentão, noventão, tendo que resgatar um tempo que não passou... não sou dono da verdade não... o som da minha voz não é radiofônico nem nada... sou vingador e não caçador e, por isso, preciso de um reino para empunhar minha espada... agora sou um guerreiro sem pátria vagando na floresta e o som que predomina é a ponta de minha espada raspando no chão... penso em, pelo menos, encontrar perdida em algum canto uma cabeça de boneca... mas a vida é bem maior do que ensaios mentais.

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