Attempts on her life, Martin Crimp
Assisti ontem ao quarto e ultimo dia de uma prova pĂșblica do quarto ano de artes cĂȘnicas. (A)tentados. Ătimo nĂvel. Ă muito gratificante pode atuar com eles, prestando breve assessoria para os nĂșmeros de canto, na reta final da produção.
O texto de Crimp Ă© profundo, criativo; descreve a vida de uma personagem de ficção, suas frustraçÔes, sua loucura. Recorta e circunda vĂĄrias facetas da conduta humana em fins de sĂ©culo vinte, onde superficialidade e essĂȘncia se confundem. HĂĄ provocaçÔes, identificaçÔes, decompĂ”em-se posturas radicais e Ă© possĂvel observar os claro-escuro da vida, fictĂcia vida, vida real. A forma de tratar a peça, a idealização de quadros (sĂŁo 17 cenas independentes) permitiu divisĂŁo de tarefas; foram criadas performances interessantes, que valorizaram os jovens atores, co-diretores. Trata-se de um trabalho muito bem orquestrado pelo diretor MĂĄrcio Mattana.
Parabenizo a todos pela bela atuação. Pelo bom uso da fala, dos sete idiomas proferidos, do canto. Pelo Ederlezi.
Sa me amala oro khelena
Oro khelena, mergulho kerena
Sa o Roma daje
Sa o Roma Babo Babo
Sa o Roma o daje
Sa o Roma Babo Babo
Ederlezi, Ederlezi
Sa o Roma daje Sa o Roma Babo, e bakren Chinen
A mim, chorro, dural beshava
Romano de mergulho, mergulho amaro
Amaro mergulho, Ederlezi
E devado Babo, amenge bakro
Sa o Roma Babo, e bakren Chinen
Sa o Roma Babo Babo
Sa o Roma o daje
Sa o Roma Babo Babo
Ederlezi, Ederlezi
Sa o Roma daje
Gostaria de transcrever aqui trechos da cena 11. O trecho se reporta ao suicĂdio e, quando o ouvi pela primeira vez, nĂŁo pude deixar de identifica-lo e traçar um parelelo entre ele e o texto que escrevi sobre o LP Trem Azul:
" [...] um trabalho que Ă© um ponto de referĂȘncia. Ă comovente. Ă oportuno. Ă perturbador. Ă engraçado. Ă doentio. [...]. Ă obscuro. Ă altamente pessoal e ao mesmo tempo levanta questĂ”es vitais sobre o mundo em que estamos vivendo. [...] o que evoca no observador uma reação quase visceral.
Receio que o que vemos aqui Ă© puro narcisismo. E acho que a pergunta que temos de nos fazer Ă© quem pode aceitar esta espĂ©cie de exibicionismo nĂŁo digerido como uma obra de arte?...[...] onde estĂŁo os limites, o que Ă© aceitĂĄvel?... porque isto Ă© pura auto-indulgĂȘncia. Onde a "vida" - literalmente neste caso - acaba, e a "obra" começa?[...] Isso me faz pensar no provĂ©rbio chines: o lugar mais obscuro estĂĄ sempre debaixo da lĂąmpada. [...] aquilo que vemos aqui Ă© a obra de uma garota que muito claramente deveria ter sido admitida nĂŁo em uma escola de artes, mas em uma unidade psiquiĂĄtrica. [...] Algum lugar onde ela pudesse receber tratamento. [...] a chamada "arte degenerada" proibida - bobagem? [...] voce estĂĄ dizendo que esta artista nĂŁo deveria ser autorizada a produzir as suas obras mas deveria ao contrĂĄrio ser obrigada a receber tratamento psiquiĂĄtrico.[...] esta pobre garota sim, precisa de ajuda. [...] Precisa de ajuda? Oh sĂ©rio? E na opiniĂŁo de quem? Na opiniĂŁo de Goebbels? Na opininĂŁo talvez de Josef Stalin? [...] qual o verdadeiro significado de ajuda? NĂŁo estarĂĄ ela dizendo "eu nĂŁo quero a sua ajuda"? NĂŁo estarĂĄ ela dizendo "A sua ajuda me oprime"? NĂŁo estarĂĄ ela dizendo que o Ășnico modo de evitar ser uma vĂtima das estruturas patriarcais do capitalismo deste final de sĂ©culo vinte Ă© uma pessoa tornar-se a sua prĂłpria vĂtima? NĂŁo serĂĄ esse o verdadeiro significado desses atentados contra a sua vida?[...] para um mundo no qual o proprio teatro morreu. [...] Ela estĂĄ nos oferecendo nada menos do que o espetĂĄculo de sua propria existencia, a pornografia radical -se Ă© que posso usar esta desgastada palavra - do seu proprio partido e abusado - quase crĂstico - corpo. Um objeto, em outras palavras. Um objeto religioso. Um objeto, sim. Mas nĂŁo um objeto de outros, o objeto de si propria. Esse Ă© o argumento que ela oferece. [...] NĂŁo teremos visto isso tudo no chamado radicalismo dos anos sessenta barra setenta? Visto - talvez. Mas nĂŁo visto de novo, nĂŁo visto agora, nĂŁo visto no contexto de um mundo pĂłs-radical, pĂłs-humano onde os gestos do radicalismo assumem um novo significado em uma sociedade na qual o gesto radical Ă© simplesmente mais uma forma de divertimento, isto Ă©, mais um produto - neste caso uma obra de arte - para ser consumido."
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