Hospital Casaredo 102
Sinto, na palma da mão, textura curiosa. Nos ouvidos, os suspiros do vento das bruxas. Sinto, no coração, a geleira a me chamar, distante. Aquece meu coração, Senhora dos Livramentos.
Os nanocontos escritos por Javier, na fria madrugada do ensaio musical, deram trabalho extra aos carteiros da região, muitos envelopes, muitos deles perfumados. Haveria muito ainda que escrever, evoluir na técnica. Após o socorro prestado à senhora Florence, o bailaor foi tomado de improviso pelo filho. Jamais imaginara que Júlio lhe fugiria, que desejava deixar o Casaredo.
O rapaz estendeu uma carta que, gostaria, fosse entregue à mãe. Sabia que Alev, o homem invisível, podia achá-la. Confiou ao pai o envelope, pediu para que lesse antes de impor o sinete. A carta ia dentro de uma caixa, onde havia um belo caramujo, um retrato a óleo, do pai com os três filhos. Júlio deixou Javier diante da porta do dormitório e desceu, queria estar com o mar.
Tenho cumprido a missão, minha mãe, assim tinha início a rogativa. Tenho cumprido a missão. Sinto, no lago dos meus dias, infinita saudade. No encontro entre água e foz, as minhas feitiçarias se acalmam. Sinto que a lava é lodosa em alguns recantos. Tenho cumprido a missão, minha avó. Tenho cumprido a missão. Pai, eu falo com os mortos e te deixarei, e tu não saberás de mim por década e meia. Sinto que estarás forte, junto às minhas irmãs Esmeralda e Pérola, a querem quero todo o bem. Sou erupções e cinzas. Não se me extingue a chama do afeto, a memória das coisas sofre mutações. Vale trocar de estado em breve. Não tenho dó, porque hei de rever o ceumar e, se tiver tempo, reverenciarei o paradeiro de minha alma. Às vezes, sinto a rudeza do apego. Os vulcões do mundo aguardam meu voo solitário. Entretanto, já não vou só. E assim, sem disposição para saudar as palavras, consinto por cumprir o voto. Que seja leve, que seja beijo, que seja mar. Que seja leve, que seja beijo, que seja mar.
A Marinha Portuguesa divulgara, há poucos dias, os exames para a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique. Júlio tivera, com a informação em mãos, longa conversa com Madame. Ela o escutara, mais que externara seus pensamentos. O olhar dela, entre triste e enigmático, oferecia mérito ao desejo do menino. Uma criança poderia tomar decisão deste porte? O máximo que poderia acontecer seria Júlio voltar para casa, caso fosse apenas ilusão. Loto, a sereia, também escutou o menino, contou-lhe histórias de guerra, de acordos comerciais, de sequestros. Não o demoveu a desistir, contudo, a dama vietnamita nada disse que o contrariasse. Somente estendeu a Júlio o mesmo olhar da avó, entre triste e o próprio mar.
Quando soube de tal arranjo, que lhe afastaria o herói, Esmeralda chorou. Era o que uma menina que adorava o irmão mais velho poderia fazer. Agora havia Pérola. Então, a pequena cantaora logo tratou de acalmar-se e sorrir. Que o irmão iria ali, à praia, voltaria logo, ela pensava. Para Javier, mais um desafio à integridade moral. Sabia de seus deveres e direitos, mais que isso, sabia que não se tratava dele, de egoísmo ou orgulho.
Para não pôr tudo a perder, o enfermeiro dirigiu-se a Wong Lam, mentor, de idade similar à sua. Falou com ele em português, misturado ao espanhol. Volta e meia tu citas o I Ching[1], doutor, a fim de fundamentar tuas argumentações. Ayudame con eso. Wong Lam ficou em silêncio, a meditar, por alguns instantes. O cantonês se formara em uma escola de escribas. A morte das irmãs e a fuga dos pais o impeliu às ruas de Beijing, até que um mercador o acolheu e o vendeu como remador, coincidentemente aos quinze anos de idade. Wong Lam possuía uma inclinação visceral para a psiquiatria. Passado algum tempo, um mandarim refugiado em Lisboa apadrinhou o rapaz e o ajudou a completar a educação. Entregou a ele o oráculo, para que o consultasse toda a vez em que se sentisse perdido. O padrinho não teve muito tempo de o ver progredir, faleceu no mesmo período em que se foram as meninas. Naquele instante da consulta com Javier, sua visão peculiar de mundo pouco ajudaria, àquele homem triste diante de si. Pediu que o enfermeiro lhe contasse a sua história.
Com vinte anos eu servia mesas em Sevilha, foi abrindo o coração Javier. Era ocupação limpa, um começar pelos começos. Pela idade, eu estava velho para uma profissão. Certa tarde, entrou na bodega uma senhora, médica patologista. Olhou-me e, por razões dela, convidou a cursar enfermagem. Eu me tornei técnico, em três anos. No primeiro ano de formação, vi-me estagiando na Assistência. Eu lavava os velhinhos. Afeiçoei-me ao ofício, o de mitigar as dores. Ficou sendo minha vida. Em um dos dias de lavra, Amparo apareceu pela primeira vez. Trouxe o pai para ser tratado na área de tuberculose do Sanatório. Depois disso, doutor, tu sabes de toda ópera. Ayudame. Preciso permanecer são, disse Javier, e chorou. Entre a escuta e os silêncios reflexivos, Wong Lam abriu o oráculo sem jogar as moedas. Veio o hexagrama vinte e quatro
Retorno. Sucesso!
Entra e sai sem embaraços.
Os amigos chegam e não há erro algum.
Eles retornam ao lugar de onde vieram
e levam ao todo sete dias.
É favorável ter um objetivo a seguir.
O enigma estava lançado. Era necessário sentir. O doutor sacou, de um embrulho em forma de criança, um erhu, instrumento musical de arco, com duas cordas.
Retorno digno.
Nenhum arrependimento.
Eu sou livre, eu sou livre, sou livre, bradava o senhor da Nossa Senhora diante do mar. Silva, da sua guarita observava, entre divertido e alerta. Aquele lugar onde trabalhava lhe causava preocupações estranhas. Fizera sessenta anos há quatro dias. Uma vida de abrir e fechar cancelas, observar saídas, entradas, em casa de celebridades, edifícios, um museu e agora aquele hospital à beira mar. Imaginou, ao ler a convocação no quadro de avisos da Sé, que a função seria um modo de férias remuneradas. O salário era melhor do que o que ganhava no MMIPO[2] e Silva se enquadrava às exigências. Ledo engano quanto a férias. O porteiro apreciava a ação, contudo. Fora contagiado pelo apreço humanitário que a casa respirava. Gostava, em especial, da enfermeira chefe Maria. Um temor marolinha o visitou nos últimos tempos, não mais o largou. Tinha pesadelos recorrentes, passar de seu aposento simples, na rua dos funcionários do Casaredo, seu conforto, para o dormitório dos velhinhos. Não era dessa forma que pretendia se aproximar da senhora que ninava a todos. Como ele queria um neno. Silva enxergava a velhice longe dele, o cheiro de formol nos outros, nos forros dos colchões. Seus desejos eram romanescos, de mãos dadas nos finais de tarde, a tomar um sorvete em Viana da Foz. A acarinhar os cabelos grisalhos, o rosto já vincado mas tão calmo, tão. Passar os dedos naqueles lábios delicados, de onde brotavam flores. Um olho de Silva sonhava e o outro observava o velho maluco a entrar na arrebentação. Apavorou-se, poderia ser tarde para salvá-lo. Acionou o alarme geral, que causava pânico em todo hospital. Não viu outro jeito. Culpava-se e ao mesmo tempo resmungava não é minha função, onde o enfermeiro Gilmar, que vigia estas ocorrências? Por sorte, o doutor Itaú estava próximo do senhor de Nossa Senhora, tinha bons reflexos. Tirou o velho das ondas sem esforço.
Mais alarmado com o barulho a sua volta do que com a água salgada que sorveu, o senhor da Nossa Senhora estava bem. A faringe, levemente avermelhada, obrigou o homem a ficar em silêncio, até chegar à enfermaria. Ele ia recomeçar a arenga eu sou livre, eu sou livre, quando Maria arremedou de marré marré dessi[3]. O senhor da Nossa Senhora sorriu porém zangou, a enfermeira não cantava direito. Mesmo assim, pediu que ela continuasse com os cuidados, despir seu camisolão molhado e o pôr sob a água morna do chuveiro. O senhor da Nossa Senhora não aceitou a interferência do amigo Gilmar, disse que estava cansado dos homens, o que permitiu aos enfermeiros rirem de se fartar. O porteiro Silva, ainda a se sentir culpado, acompanhou todo movimento. O medo, depois do episódio, só fez aumentar. O porteiro, dias depois, sofreu um desmaio à porta da enfermaria.
Há um terreno movediço para pisar, Madame escreveu em seu caderno de espiral verde, quando se trata de afeição. Ela estava na praia quando o doutor tirou aquele homem do mar. Divisas, territórios, é preciso delimitar, traçar fronteiras, imputar lugares sagrados para visitação. De outra maneira, viveríamos em perene estado de sítio. A mente de Madame fragmentara, um trecho sereno, outro cheio de vozes. Queria ajudar mais, salvar homens, curar feridas cobertas de pus, cantar à beira dos caixões, embalar berços e plantar lavanda. Escrevia, e era tudo. Casacos no armário, sapatos à porta, vassoura fora da casa, bem como o balde e a latrina, limpos. O lixo disposto nas compostagens. Um lugar para cada gente, no peito, na retina, no fundo da boca. Esterco, adubo e paciência, paciência da semeadura. Certas cenouras custam a vicejar e muitas vezes vêm disformes, sem sumo, pobres em pectina. Madame já não sabia mais o que era espontâneo em seu íntimo. Voltara a ser bicho de criação? Galinha d’angola, talvez? Deixava seu rio agarrar o próprio entalhe na margem, a fleuma a vazar, no plano inclinado ao qual se deitou. É sempre de bom alvitre manter-se consciente do fim. Firme no remo. Se houver um rumo para a afeição, ou barreiras, transpor e seguir. Mar do Leste.
As escrevinhações de Madame escasseavam, o enfermeiro Gaspare sentia, mais que os demais no hospital. A dama punha em tudo um ponto final, dignamente. Em alguns instantes, o rapaz percebia cruzamento de rios, águas que se misturam, umas negras, outras amarelas. Gaspare e Madame eram rios que, ali adiante, atravessariam o canal. Não se tratava de dor ou sofrimento. Era caminho, natural. Restava saber se cabia no perímetro navegável. O que Gaspare faria quando não houvesse mais textos para transcrever? O que aprendera com aquele calhamaço de cadernos e postas de bacalhau? Ele faria quarenta anos dali a uma semana. Muitos falavam dos desvarios dos quarenta. A Terra se apresentava mareada para ele, sem bolsas de moedas, sem teses de doutoramento, ou algum amor. Associados, Madame e Gaspare imprimiam leveza às doidices. Separados, a mocidade de Gaspare, a dizer adeus? Sentimento egoísta, Gaspare o tratou de afugentar, a vassouradas.
À porta do sobrado onde residia, o doutor Wong Lam tocava o erhu. Gaspare chegou quieto, violão a tiracolo. Perguntou se poderia sentar-se. A voz do doutor soava exótica, enlaçava a todos ao primeiro tom. Poucos o haviam escutado cantar, desde que integrou a equipe da Assistência. Naquele ocaso, a lua crescente a deitar-se do lado oposto ao sol, o doutor interpretava poemas de Li Bai[4], trovas sobre sentimentos, descritos em gestos, em objetos minimalistas. Gaspare não pode evitar, chorou. Entendo a suave beleza, entoava o doutor, imperturbável. A voz plástica, o traço preciso. Não te peço para adotar-me como afeto, continuou. Um limoeiro enxertado. Os degraus umedecidos pela água de limpeza cintilam. A geada reflete no jade. Noite longa, meias de seda. Baixa a cortina cristalina, água móvel, o belo e transparente olhar de inverno da lua. Aquele choro todo, Wong Lam sabia, haveria o momento de secar.
Envolta por águas e mar, Madame gostara mais dos cães na meninice. Era com isso que sonhava, a olhar pela janela, o lápis a rolar entre os dedos, um cão em especial. O Casaredo lhe permitia olhar os bichinhos das crianças e lembrar dos que lhe fizeram companhia durante as diferentes etapas da jornada. Um mastim espanhol, Firmino, fora seu último cão. Fizera com ela a escalada, desde Faro até a aldrava da Assistência, depois seguiu seu caminho. O cão a acompanhava de longe. Quando havia de comer, dividia com ela pequenas porções, por educação. Cão silencioso, olhar tão triste que Madame chorava ao mirar. Em dias mais frios, ele se aproximava, respeitoso, deitava às suas costas, para conter a morte. Talvez, por conta de Firmino, Madame andarilhou sem maiores sustos.
Um gato laranja, brilhante, apareceu no Casaredo naquela manhã de muita chuva, vento e frio, Júlio acabara de partir. Madame encontrou o felino encolhido junto ao capacho da cozinha, ensopado. Como lidava com peixe, ela conseguiu atrai-lo com pedacinhos até perto do fogão à lenha aceso. Artur, o veterinário, tomava café diante da máquina e observou a atenção de Madame para com o bichano, sorriu. Pediu à senhora para o examinar, o gato se deixou tocar, vencido pela dor e cansaço. Em geral, afora um corte na pata, pulgas e possivelmente vermes, o mourisco de pelo curto estava bem. Recebidos os socorros possíveis, inclusive banho, escovação e vacinas, Tetetéte se deixou aninhar em uma cesta de pão que estava para reciclar. Deveria ter uns quatro meses de nascimento. Quem sabe o gato preferisse Artur como dono. Porém, durante a tarde o felino, pata enfaixada, seguiu Madame por onde ela rodou, a meia distância, para não ser atropelado. Quando ela parava, Tetetéte se chegava, embrulhava no espaço entre os pés da velhinha. Antes, espiava com seus luminosos olhos verdes, como que a agradecer a acolhida.
O senhor da Nossa Senhora pensou em gritar morte aos leões, porém, por devoção, entoou
Estrela branca, ensina-nos o refúgio do silêncio, estrela branca
O homem pequenino cantou como um mulá, tão doído que fez Madame chorar. A senhora o olhou, pela primeira vez, com olhos de ver. Alev passava por ali, ouviu a prece, quis estendeu-se no chão, de bruços, e assim o fez, como que tocado por um raio. A chefe Maria parou, confrangida, mãos postas. Fez, ela também, uma prece silenciosa. O advogado Giulionni, que caminhava pelo corredor, passos contidos, mãos unidas atrás das costas, sentiu tal aperto no peito ao olhar a cena que precisou ser amparado pelo sábio Wong Bohai. O cantonês chegava de viagem naquele momento. Pôs a maleta no chão com pressa e teve tempo de amparar o amigo, deitando-o no piso e afrouxando-lhe a gravata, que o advogado insistia em usar. Gaspare acudiu, felino que era, suspendeu o homem em uma maca e o levou à enfermaria. O encontro com a estrela branca prosseguiu por mais um tempo, sem que os demais personagens saíssem do transe. Tetetéte ergueu as orelhas. Na porta do Casaredo, Firmino latiu, pura luz. Madame também o enxergou.
Quando o movimento do retorno chega, não se deve buscar refúgio em desculpas banais (...)
Os paralelepípedos, os rosários, as portas da compaixão. Pelo sim, pelo não, cismando o tempo, escrevo da minha janela enquanto Tetetéte desliza sob os meus lençóis. O gatinho cheira bem. Se eu morresse agora, estaria toda sorte. Cá estamos, rés-do-chão, serenos. A terceira vela bruxuleia atenta sobre o aparador da Capela Rosália. Sim, a pedidos e apoio financeiro da Cidade do Porto, organizou-se uma sala de preces aqui no Casaredo, ao lado do crematório. O senhor da Nossa Senhora partiu. Foi ontem, um peixe, logo depois de rezar. Marscha veio, rósea quase branca, para cortar o fio prateado do marujinho. Um peixe nau, foi o que vi zarpar, mãos dadas com a amiga. Marscha ainda me piscou, dizendo que já voltava.
O céu azul é plenitude porque não é azul. O deserto e suas areias vermelhas, que já embalaram mar, calma. O Universo, usina de renascimentos. O que fazem, José Gaetano e um bando de marujos, quando são mar? Marujeiam, estendem, encolhem, vão ao encalço, lançam rede, puxam a corda, colhem, o esfregão, o sextante, o corpo e suas urgências, o pergaminho, a onda, a crista, a marola, o sentido. Golfo da Guiné. Antes disso, vem o dia do timoneiro gritar terra à vista. E então é isso: aportam estes mareeiros, metem dentro do porão todos os tonéis que pesam um homem, sacodem os ratos e as baratas. Desatracam, rumam, remam, rimam e atracam. Julieta ancora. Sepulta São Clemente Romano. Medusa afasta os refluxos das águas. A cruz de malta acena vitórias. Novo porto. Nova carga. Passeio no cais. Costa do Marfim. Amores de chão. O conteúdo dos dias fica à conta dos dias e da pena, a questão do estar, do viver. A história que os marujos contam é diáfana, hachura em papel pardo. Os fogões, acesos no convés, aquecem lentilhas. As frutas secas são boas de beliscar quando se tem bom vinho e queijo. Ano Bom. Por alguma razão, que só os deuses marinhos compreendem, agrião brotou numa tina a um canto da cabine da Sor. O peixe dessalgado completa o jantar quase gala, oferta da Cesária para aquele entreato, em que um galego chora ao cantar. Louva a estrela branca, sábia das galáxias. Se entende o que canta, poucos sabem. Diante da tigela, José Gaetano cisma um filho, um neto ao joelho. Quereria os ninar com barqueiro do Mira[5]. Esquece a confusão mental, deve ser falha do relógio biológico que flui lento para José. Crisinho diz olá. Cecíl, seria o nome da neta, se concebida fosse. José não soube, na jornada, o que era viver estes papéis familiais. Idealizou-os. Agradeceu, ao segurar o leme, conheceu outros desígnios. Canta agora os seus mortos, aconselha-se. Canta também aos vivos nesta noite. Perdoa-se. A plateia é receptiva. O pirata brinda improvisos sobre bordão móvel. Junta-se ao homem um pajem, com uma gerigonça entre engraçada e doce, um erhu. Outro menino prendeu em um madeiro conchas, pregos de quilha, cacos e duas cordas muito esticadas. O som do conjunto é estalidos do fogo, cintilações das cristas de ondas e insetos voejantes, algo bonito, ritmado e acolhedor para a voz e o santur. O comandante dispõe, neste sarau em alto mar, de um coro responsorial, que lhe devolve a vozes os motes. Devem ser, todos, do Alentejo, tem os olivais na garganta. Um desejo de alegrias inalcançáveis. Pelas vias naturais, os ais da jovem maresia. Ecoam fibras remotas, algo de dignidade. Mesmo tarde, vem a consorte dos vendavais, a saudade, saudade, fruto seco dos mortais. José Gaetano vai chamando os convivas, que criam quadras, pilhérias, chistes, redondilhas de amor. A noite fica pequena diante da profusão de pensamentos. Ali, exilados em meio a todas as águas, em conúbio com o planeta oceano, constroem um quinhão de odes ao desconhecido. O comandante leva a audiência a encarar o ignoto, com respeito e temor, acomoda a própria vibração à orquestra do Universo. Os passageiros em viagem afirmam seus afetos. Nada de indagar quem sou. Estou, porque me toca a canção. Estou enviado de Bering, escafandrista. Desgarrado, selador. Tantas coisas, estou cantor. Peralta, estou da lista. Aquele que tu queres. Isto, aquilo, o que estou, emendou o comandante. Afinal, nasci para ser muitos, perguntou um. As estrelas, brancas, azuis, vítreas, as estrelas fluido congelado que desabrocha, desabrocha. E um dia se verá sóis. Estamos sóis da explosão de uma estrela. Somos d’ela. E quem duvida do que eu digo, que cante outra glosa. Mais risos de uma euforia rouca, pudenda, celeste no seu pulsar. Paroxismo histérico. Lá em cima, em alguma estrela nova, Cecíl ria de tudo, com vagar. Minha menina não te rias, nem chores. Logo choverá. Estavam chegando ao final.
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